CPI da Covid: ex-ministro das Relações Exteriores nega ataques à China em depoimento ao Senado

Segundo Ernesto Araújo, não ele nunca deu declarações anti-chinesas e não há indícios de prejuízos no recebimento de insumos e vacinas

Em depoimento à CPI da Covid, nesta terça-feira (18), o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, negou ofensas à China durante sua gestão e que isso tenha impactado negativamente a importação de insumos e vacinas pelo Brasil no combate à pandemia.

Durante a oitiva, o relator, Renan Calheiros (MDB/AL), e senadores da oposição questionaram o ex-chanceler sobre declarações em que ele, supostamente, teria atacado o país asiático. Também indagaram o ex-ministro sobre as consequências dessas “críticas” para a relação entre o Brasil e a China, já que o país é dependente de insumos para a fabricação de vacinas em território nacional, por exemplo, e os chineses são o maior destino das exportações brasileiras.

Araújo disse que jamais promoveu atrito com a China, seja antes ou durante a pandemia, e que não há como medir o “impacto de algo que nunca existiu”.

“Eu não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito em nenhum momento como anti-chinesa. Nada que eu tenha feito pode ser levado a qualquer percalço no recebimento de insumos. O Itamaraty acompanhou todo o processo de liberação de insumos vindos da China. Jamais foi identificada nenhuma correlação entre o atraso e qualquer atuação da minha parte”, argumentou.

Na sessão, senadores lembraram a Araújo que ele publicou um artigo em 22 de abril de 2020, intitulado de “chegou o Comunavírus”. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD/AM), usou a publicação para acusar o ex-chanceler de mentir ao afirmar que nunca fez declarações anti-China.

Araújo rebateu a acusação ao dizer que o artigo não era contra a China ou uma alusão ao surgimento do novo coronavírus, mas uma análise de um livreto que via na pandemia do novo coronavírus uma oportunidade para “construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade”.
“Quando eu uso o título “comunavírus” é uma referência não ao coronavírus, mas àquilo que um autor marxista, cujo texto eu analiso, qualificou como vírus ideológico. Esse autor escreveu um pequeno livro dizendo que ‘o coronavírus tinha criado a oportunidade para o surgimento de um vírus ideológico’, que cria as condições para implementação do que ele considera uma ‘sociedade comunista global”, defendeu-se o ex-ministro.

Arte: Brasil 61

Covax Facility

O diplomata também foi questionado sobre a participação do Itamaraty nas negociações com o Consórcio Covax Facility, iniciativa promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cujo objetivo é acelerar o desenvolvimento e a fabricação de vacinas aos países que dela participassem.

Segundo Araújo, o Ministério das Relações Exteriores jamais foi contra a iniciativa. “Eu assinei uma carta para o gestor do Consórcio dizendo que o Brasil tinha interesse em entrar”, disse.

Senadores também perguntaram o porquê de o Brasil só ter manifestado interesse em adquirir quantidade de vacinas equivalente a 10% de sua população, uma vez que o consórcio internacional previa o limite de até 50% da população. O ex-ministro respondeu: “Essa decisão não foi minha. Foi uma decisão do Ministério da Saúde dentro da sua estratégia de vacinação.”

O Brasil chegou a um acordo com para aquisição de imunizantes pelo Covax Facility no dia 24 de setembro. Àquela altura, mais de 170 países já tinham aderido à iniciativa, fato que gerou críticas do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede/AP). Segundo ele, o “atraso” pode ter impactado o recebimento de doses pelo Brasil.

“Não há nada que tenha sido indicado pelos gestores [do consórcio internacional] que faça uma correlação entre a datas de assinatura e pagamentos com o cronograma de recebimentos de vacinas”, rebateu o ex-chanceler.

Amazonas

Senadores também trouxeram à pauta da oitiva a atuação do MRE no colapso que o sistema de saúde amazonense viveu no início deste ano. Manaus ficou sem estoque de oxigênio, fundamental para auxiliar pacientes com quadros graves de Covid-19.

O governo venezuelano doou os cilindros de oxigênio ao Brasil, mas os insumos chegaram via caminhões, o que levou mais tempo. Omar Aziz disse que o ex-ministro poderia ter intermediado uma viagem para buscar a doação com aviões da FAB, a Força Aérea Brasileira.

Araújo respondeu que a pasta não age de maneira independente em questões de saúde: “O Itamaraty não tem condições de avaliar o momento e em que condições é necessário proceder a essa ou àquela ação em relação ao sistema de saúde, no caso o suprimento de oxigênio.”

Ainda em relação à crise sanitária do Amazonas, Ernesto Araújo declarou que o governo local solicitou auxílio do Itamaraty para viabilizar a ida de um avião com capacidade para transportar oxigênio. Segundo o ex-chanceler, a pasta conseguiu um avião junto aos Estados Unidos, mas ao solicitar mais informações ao governo do estado para concretizar a operação, não obteve resposta.

“Contatamos o governo do Amazonas, [para saber] o tipo de cilindro, especificações mínimas. Passaram-se dois, três dias, acabou não viabilizando”, declarou.

Durante as cerca de sete horas de depoimento, Araújo também explicou como foi a atuação do órgão no enfrentamento à pandemia. Confira abaixo.

Cloroquina

Sobre a doação de dois milhões de doses de hidroxicloroquina dos Estados Unidos ao Brasil em junho do ano passado, ele disse: “Foi um oferecimento de autoridades americanas, não houve solicitação brasileira, mas o Ministério da Saúde foi comunicado e aceitou. Não se verificou razão para rejeitar essa doação, inclusive porque naquele momento havia falta de cloroquina no sistema de saúde brasileiro. A cloroquina é usada para doenças crônicas e outras doenças no Brasil e esse estoque havia baixado.”

Estados Unidos

Em relação ao alinhamento do Brasil com o governo do ex-presidente americano Donald Trump e possíveis impactos disso para o país após a posse do democrata Joe Biden, Araújo afirmou: “Acredito que de nenhuma maneira nos prejudicou. Eu sempre dizia que os acordos e nossa proximidade eram com os Estados Unidos e não com o presidente Trump, embora a boa relação entre os dois presidentes facilitasse o avanço dos interesses brasileiros. No caso das vacinas, os Estados Unidos proibiram a exportação total de vacinas para quaisquer países. Isso não foi só para o Brasil.”

Articulação

Questionado sobre a atuação do Itamaraty no combate à pandemia, ele disse que a coordenação cabia ao Ministério da Saúde: “O governo federal não definiu um único documento de orientação para atuação internacional. As orientações surgiram em diferentes momentos e quase sempre vieram do Ministério da Saúde.”

Fonte: Brasil 6119

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