Coronavírus: Os alunos de Medicina e Enfermagem que estão se voluntariando no combate à covid-19

Quando a epidemia de covid-19 começou a dar sinais de que ficaria grave no Brasil, a estudante de Medicina Letícia Araujo Fonseca Santos, de 28 anos, sentiu medo e angústia. Mas, com as aulas canceladas e o internato (estágio no atendimento) funcionando em esquema de plantão, seu maior sentimento, diz ela, foi de frustração.

“Sinceramente, foi um sentimento de insuficiência, a gente quer fazer alguma coisa, mas está de mãos atadas (por ainda não estar formada)”, conta. “Tenho medo de talvez ser infectada, mas a frustração de não poder ajudar mais é maior do que o medo.”

Letícia, então se voluntariou para ajudar no combate ao coronavírus na cidade — assim como outros 200 alunos dos últimos anos dos cursos de Medicina e Enfermagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Com ajuda dos professores e em coordenação com o grupo de contingenciamento da doença da universidade, os alunos começaram a se organizar para pensar de que formas eles poderiam ajudar neste momento de crise.

A primeira iniciativa foi criar uma linha de atendimento telefônico para as pessoas com sintomas ou dúvidas sobre a doença poderem fazer perguntas.

“Não é consulta, é orientação”, explica a professora Joana Fróes, coordenadora do curso de Medicina. “Eles estão sendo capacitados, com um reforço nas aulas de infectologia, e terão profissionais de saúde supervisionando, para resolver qualquer dúvida que não esteja nos protocolos da OMS (Organização Mundial de Saúde) ou do Ministério da Saúde”, explica.

O serviço começou a funcionar na última quinta-feira (26/3).

Letícia conta que muitos colegas dos primeiros anos também queriam participar do voluntariado, mas o grupo optou por manter apenas os estudantes dos últimos anos.

Somente os estudantes dos 4º, 5º e 6º anos de Medicina e os do 4º e 5º de Enfermagem vão poder participar. “A gente considera que nesses anos eles já têm conhecimento o suficiente e experiência clínica para esse atendimento, antes disso a formação ainda é muito inicial”, explica Fróes.

Ela conta que muitos alunos decidiram não voltar para suas cidades natais para ficar perto da Unicamp e disponíveis para ajudar.

“Mesmo sabendo do risco, eles já têm muita consciência da gravidade da situação que a gente está vivendo, e uma dedicação que a gente espera de qualquer profissional de saúde, embora ainda não sejam profissionais formados”, diz Fróes.

O objetivo da central de atendimento é atender as pessoas que estão dentro da área de cobertura do complexo hospital da Unicamp e ajudar a desafogar os serviços de atendimento presenciais.

“A gente vai orientar quem precisa procurar o atendimento presencial e, para quem não precisa, dar dicas de prevenção, desmentir boatos e esclarecer dúvidas” conta o aluno do 4o ano de medicina David Cirigussi Rodrigues de Paula, de 25 anos, um dos que estão organizando a iniciativa.

Ele conta que a ideia inicialmente era fazer um call center. Mas, para diminuir os riscos, ficou decidido que os alunos vão atender as ligações em seus próprios telefones, de suas próprias casas.

“A gente se preocupa com segurança deles e está tomando todos os cuidados”, diz Fróes.

Para que esse atendimento pudesse funcionar sem um call center, David pediu ajuda dos alunos da área de computação da universidade para montar um software capaz de redirecionar as ligações do número de atendimento para os celulares e telefones dos alunos.

“Foi muito comovente a gente ver a disponibilidade e a empatia desses alunos. Muitos vieram me procurar e dizer ‘professora, eu estou com tempo livre, tenho como me voluntariar'”, conta Fróes. “Eles pediam qualquer trabalho que pudesse ajudar.”

“É importante dizer que é uma iniciativa dos alunos. As faculdades estão apoiando, em coordenação com o grupo de contingenciamento, mas foi uma iniciativa deles”, conta ela.

A estudante de Enfermagem Fernanda Cristina dos Santos, do 5º ano, precisou voltar para Arthur Nogueira, no interior de São Paulo, para apoiar os pais, que são idosos, durante a epidemia.

“Meu pai é autônomo, da área de alimentação, e não pode parar de trabalhar. Mas para reduzir o risco eu que estou fazendo as compras em casa”, conta.

Mesmo distante, ela quis ajudar, e está organizando remotamente os alunos de Enfermagem que vão participar do voluntariado.

“A gente tem essa vontade, principalmente a gente da Enfermagem, que lida muito com as pessoas, de acalmar, de dar informações confiáveis. A gente quer ajudar o máximo que pode.”

Embora o serviço de atendimento seja a iniciativa mais estruturada no momento, não é a única.

“Alguns alunos já estão se voluntariando em serviços de saúde das suas cidades natais,por iniciativa própria”, diz a coordenadora do curso de Medicina.

“Isso mostra que nossos alunos estão buscando ajudar atuar no sistema de saúde de diversas formas.”

Alguns alunos ainda estão trabalhando, como parte do internato, em alguns serviços essenciais no complexo de saúde da Unicamp.

Eles foram deslocados para áreas que não vão receber os pacientes com coronavírus, como o hospital maternidade, para que os profissionais dessas áreas possam atuar na linha de frente do combate ao vírus.

Letícia Fonseca diz que o seu internato, ajudando diretamente nos hospitais, será no meio de abril, quando os casos vão aumentar muito. Nascida e criada em São Paulo, ela decidiu ficar em Campinas para poder atuar nesse plantão, além de fazer o atendimento por telefone.

Ela diz que está ciente dos riscos.

“Querendo ou não é uma escolha que a gente fez quando escolheu a profissão, todos os médicos. Queremos cumprir o juramento que a gente não fez ainda, mas um dia vai vir a fazer”, diz ela.

 

BBC NEWS

folder de divulgação do serviço de atendimento dos alunos

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