CONTOS NÃO PLAUSÍVEIS

Clauder Arcanjo*

(Pintura “Chaleira e Frutas”, de Paul Cézanne.)

 

Louvo quem canta e não canta

Porque não sabe cantar

Mas que cantará na certa

Quando, enfim, se apresentar

O dia certo e preciso

De toda a gente cantar.

                                           (Torquato Neto, em “Louvação”.)

Conselho de árvore

 

— Ela fala comigo, vô!

— Aquela árvore grande na frente da escola, Mateusinho?

— Sim, ela mesma.

— O que é que ela lhe disse?

— Ela me falou que eu deveria estudar com o meu avô em casa, ao invés de ir para a escola.

— Sei.

— Por isso que estou aqui hoje, vô.

 

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Tênia

 

Entrou na sala de atendimento. Passos lentos, barriga pesada.

— Sente-se, meu senhor.

— Obrigado, doutor.

Percebeu que o médico olhava para o resultado dos exames: olhos espantados, boquiaberto com o que constatava.

— E aí, doutor, qual o meu problema?

— Sua solitária é maior de que a sua solidão.

 

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Sinais

 

— Se amanhecer nublado, ficarei em casa. É um forte sinal para mim de que o momento deve ser de reclusão.

— E se o dia for de sol, meu bem?

— Neste caso, sinal evidente de que não é recomendável sair do quarto. Espero que compreenda, amor, aprendi a ler os sinais do tempo e, por eles, guiar os meus passos.

— E se a manhã for de chuva?

— Chuva?!… Ai, meus astros!: melhor nem acordar.

 

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Renascimento

 

Na pequena assembleia, a voz do pregador vibrava:

— Quem morre vive. Para a glória dos Céus.

De repente alguém junto ao féretro dispara:

— Compadre Capobianco está mexendo os lábios, parece que tem algo a nos dizer, povo de Licânia!

Ninguém ficou para testemunhar a mensagem de renascimento do velho imigrante italiano.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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