Confidências a Baudelaire

Clauder Arcanjo*

 

Étienne_Carjat,_Portrait_of_Charles_Baudelaire,_circa_1862

 

 

Por mera brincadeira, os homens de equipagem 

Caçam enormes aves do mar, albatrozes 

Que, indolentes, costumam seguir a viagem 

Do navio percorrendo abismos tenebrosos. 

 

            Sigo a minha viagem, Baudelaire, e nela ainda sinto uma vã aragem. Esta finge me trazer o mar para o sertão; e eis que, iludido, caio na farsa, mergulhando na sina da profunda ilusão. 

Se sonhar não é pecado, muito menos se imaginar albatroz no árido sertão. Entre a litania de falsos doutores, a chuva cai e fenece as minhas dores, enquanto o horizonte não me traz a alegria outrora imaginada no meu mundo de infante. 

 

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Assim que sobre aquelas tábuas são largados 

Os reis do céu azul, envergonhados, trôpegos, 

Deixam cair, humildes, as imensas asas, 

Que arrastam pelo chão, como remos já soltos. 

 

            Hoje, adulto e calejado pelos anos, caminho cabisbaixo, arrastando as minhas crenças neste mundo tão desfigurado. 

No céu azul, a utopia insiste em alçar a bandeira de melhores dias, enquanto os meus olhos vertem uma lágrima, fruto do desengano do meu telúrico eu bem castigado. 

 

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Como está mole e frouxo o alado peregrino! 

E, que tão belo foi, ei-lo cómico e feio! 

Um espicaça-lhe o bico, usando o seu cachimbo, 

E um outro, coxeando, imita o pobre enfermo! 

 

            Ao se aproximar de mim, caro leitor, prepara-te para ser testemunha de alguém alquebrado e sem vigor. Pouco me importa se zombam do meu mau jeito; mal sabem eles que um Poeta não deve ser visto de tão perto. Nossas asas líricas só resplandecem quando distantes do rés do chão, pútrido nada, “miasmas humanos”. 

 

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O poeta é igual ao príncipe das nuvens 

Que se ri do arqueiro e afronta a tempestade; 

Exilado na terra e no meio dos apupos, 

As asas de gigante impedem-no de andar. 

 

            — Volta, Charles! Traze-me as rimas do teu ser alado. Estou exausto de viver no império dos tolos. Reinar neste principado, nunca. Prefiro a clandestinidade de ouvir-te na noite alta, “luz de claridade eterna”, entregue ao bafejo de uma malsã (porém bela) serenata. 

 

            Fonte: Poema “O Albatroz”, da obra As flores do mal, de Charles Baudelaire — tradução e prefácio de Fernando Pinto do Amaral, edição bilíngue (Lisboa: Assírio & Alvim, 4ª edição, 1998). 

            *Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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