Clauder Arcanjo: A Poesia com Brilho

 

A poesia tem marca que outros escritos não têm. Em alguns poetas, desponta a nobreza da síntese. Em outros, a sonoridade da métrica. Em poucos, o brilho incomum da singeleza. Estes últimos, questão de preferência, são os que me cativam em demasia.

Bem sei que a síntese, em especial nestes tempos de verborragia falaciosa, é matéria a ser incensada; assim como a métrica, nos dias em que os pretensos pós-modernos maltratam a melopeia, deve ser aclamada… mas o brilho do singelo, para mim, é ouro que me alumbra o espírito.

Ao ler Pirilampejos, deparei-me com construções em que a província é-nos apresentada dentro de um cenário sem arroubos, porém com merecida glória: “Terás, porém, de pagar o preço: / serás compungido / a carregar pela vida / a mais profunda e renitente nostalgia.” Como um predestinado a (re)viver, pela força da palavra, o poeta se revela no ventre da memória.

Num cotidiano de assombros e puras descobertas, a confissão a martelar: “Troco de roupa / tomo café / junto livros e cadernos / vou para o grupo escolar. // Flagrantes de perna / da professora bonita / sob a mesa vazada / e a primeira rotina escolar.”

Aqui há luz de lamparina – “Por que falar do luar / se os primeiros sonhos / do meu tempo de menino / foram todos concebidos / sob luz de lamparina?” –, só não se nos apresenta a pretensão de alguns poetastros, daqueles tipos que quanto mais pavoneiam suas estrofes, mais ridículos nos soam seus escritos.

No trovejar das reminiscências, não há canto para o relâmpago da ficção; o céu decantado por Francisco Chagas Lima e Silva é pleno de luz, advinda do fulgor das águas transparentes do rio da recordação. “Nas referências que faço / nada é falso ou fictício. / Já vivi muitas histórias, / já montei em muitos bichos”; assevera o vate maranhense.

Retratos de outrora, “feito entes encantados”, em exibição de adequada leveza, elegância, lucidez e suavidade; ou devaneios-testemunhos em “letras de melodia / de brotação singular”… Pirilampejos “esconde em suas entranhas / pequenos pedaços de mim”. Enfim, “uma aventura / irreversível e fugaz” a (rea)ver “os lanços mais profícuos / que o passado engoliu”. Numa experiência de puro fascínio pessoal, “alumiância”.

E por que ler este livro? Não o obrigarei a fazê-lo. Só lho recomendarei se, no seu íntimo, ainda lhe restar um cadinho da “humanância” da província; aqui (de)cantada numa lufada poética (bela e simples, “na melhor roupa de chita”) com competente brilho, “luz viandeira”, a estiolar os muros da noite escura, antes sujeitos ao inventário do grafismo da mediocridade lírica. “Todos nós muito iguais: / da infância há muito afastados.”

Clauder

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor

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