Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXLII)

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o silêncio sem dono
daquela velha folha —

tombando na calçada.
(Adriano Espínola, em “Outono”)

O outono me chega, quando as folhas da minha alegria caem sobre o chão do meu silêncio. Cabisbaixo, passo então a vagar ao sabor do vento e da fria rotina.

***

Com pouco, no outono da velha praça vazia, flagro-me a seguir fruto de uma estação que não me extasia. Os homens outonais pisam, sem reparar na desvalia, sobre o tesouro da minha antes alegria. Não reparam que aquilo que hoje murcha, há pouco tempo, fora causa de riso e algaravia.

***

Quedo no chão da província minha e, ao ouvir o crepitar das folhas dos benjamins e das oiticicas, dou-me conta de que Licânia nunca teve outono, apenas as estações do verão e da invernia.
Inquieto e pensativo, revisito e investigo tudo, com fumos de agonia; descubro, então, que as leituras de longe me trouxeram folhas de tristezas outras que se juntaram às minhas. De repente, comungo com elas, como se fossem todas elas das árvores minhas.

***

Mas, esta folha solitária de agora, que tomba na calçada frente à minha, devolve-me o ranço da madrugada telúrica. Eu que já me embalava na rede de uma nova ousadia: acreditar que Licânia permanece distante desta metrópole que tenta me embalar com seus deuses, primado do aço e da megalomania.

***

No ramo deste instante, uma saudade me rói por fastio e ironia. Uma folha caída assanha-me uma melancolia, como se dona de toda a vida minha.

Clauder

Clauder Arcanjo
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o silêncio sem dono