Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXLI)

Van Gogh

Quero deixar-me longe. Separar-me
de mim. Abandonar-me. Ser-me estranho.
Parto, mas, onde chego, me reencontro.
Despeço-me de novo e me acompanho.
(Mauro Mota, em “O companheiro”)

Deixando a mim, fico apenas com o que me ficou dos outros. Sem identidade, sem brilho, sem firmeza de espírito… enfim, muito estranho, resta apenas o que não é de mim.

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Ao separar-me das minhas ideias (julgadas por muitos como meras estultices), vago, tolo dos tolos, como um asno exilado do pasto telúrico de si.

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Estranho, estrangeiro dentro de mim, revolto-me e tento migrar para novas paragens, para outras províncias tão decantadas pela imprensa e pelos venerados poetas. Lá chegando, creia-me, só as admiro quando descubro, em seus rios, a corrente do rio da minha aldeia; quando seus espectros têm um quê dos meus fantasmas, e os seus becos o (bom) cheiro da urina das minhas reminiscências.

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Enfastiado da novidade dos outros, regresso. Ao despedir-me, não tripudio daquilo que então vivi; apenas, e tão somente, calo-me e, cabisbaixo, retorno para dentro de mim… e me reencontro.

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Hoje, sem fugas e sem alumbramentos, me acompanho por mim.
E, em cada esquina, miramos o passado; e, ao voltarmos ao presente, saberemos que passeamos dentro do hoje, sem nos incomodarmos com o futuro a nos esperar na esquina seguinte do outro amanhã. Dia este que será nosso… se eu for capaz de ser de mim mesmo.

Clauder

Clauder Arcanjo
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