Clauder Arcanjo – PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CLVII)
As ossadas dos nordestinos sacolejam nas memórias obesas da nação. Por onde andam tantas almas? Vagam aflitas? Insepultas, sem o consolo de uma cova rasa? Por que não se vingam de nós, sepulcros caiados?
Os ossos dos nordestinos, colheitas das secas de outrora, furam a consciência dos industrieiros das estiagens, embusteiros da caridade alheia.
Há de haver um Deus!, consolam-se, ávidos de vingança.
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Em todo o sertão de Licânia, há um ázimo sabor de morte na boca seca dos retirantes.
— E se chover amanhã?
Pouco importa, a chuva não lava a mortalha da omissão.
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— Alto lá! — Anunciou-lhes o dono da terra.
— Coroné, tamu com fomi. Minha famia tá tombém. E… — grunhiu o mais velho, os olhos rachados, as mãos postas, esturricadas.
— Não quero saber! Avia!, sumam daqui, seus retirantes. Avia, avia! Se não… — ameaçou-os, de espingarda em punho.
— Coroné, tamu com muita fomi. Nóis apenas quer a sobra do seu de comer. Minha famia…
— Não quero saber!
— Se vosmecê quiser atirar, faça o favor: mate nós de vez, antes que a fomi…— devolveu a mulher, enquanto tocavam a todos para a sombra do alpendre, onde se arrancharam.
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Sabia (e se importava) tanto da (com) vida alheia que se esqueceu de viver a sua.
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Na época do tempo bom e farto olvidamos a cautela necessária para pouparmos para as estações de estio.
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A pintura “Retirantes”, de Portinari, dói nos olhos da boca do estômago, atarantando o juízo dos cidadãos, antes tão zelosos pela herança da fausta nação.
Por onde andam tantas almas? Vagam aflitas? Insepultas, sem o consolo de uma cova rasa? Por que não se vingam de nós, sepulcros caiados?
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.