Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CLIV)
A paz da tarde morre no colo das árvores, e eu escuto o lamento dos homens distantes. São espectros que me lembram da fome longínqua, da inquietude dos aflitos, do abandono dos asilos e da desesperança no olhar dos jovens.
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Navego na noite e não encontro, neste mar de escolhos, a luz amiga de um farol sequer. Tão somente o ranger dos dentes dos medrosos no porão da minha nave-vida, pobres seres a temerem a manhã seguinte por saberem-na banhada pelo batismo do sol. Nem todos nasceram para o halo da esperança.
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— Alteiem as velas! Aproveitem o vento forte das areias deste deserto! — Clamaram alguns.
— Senhor, ninguém navega aqui. Estamos no Saara — ousei alertar, junto à tenda de comando.
— Cala-te! Caso não, hei de te prender pelo crime de incréu! — Gritou-me o mais animado.
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Há aqueles em que as luzes do novo inquietam-lhe tanto a alma temerosa, que eles aplaudem e glorificam o mau-cheiro da velha lama.
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Dai-me, Senhor, a sinceridade dos francos e dos mal-educados, em vez da etiqueta sonsa dos príncipes dos protocolos.
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Labore na medida exata, pense menos, divulgue o plantado (e nem sequer colhido)… A conquista do “sucesso” ancora-se, antes de tudo, no primado oco da vaidade.
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A paz da tarde estremece no leito trêmulo das minhas mãos, e eu imputo tanto lamento à insatisfação dos homens sonhadores.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.