Clauder Arcanjo – Pastoral do desengano

Ouso falar em fantasia

Quando o amor

De todas as esquinas

Já se apoderou

 

Anunciam, com todas as trombetas, o festival de promoções nos clubes de vendas. A prazo ou em módicas e suaves prestações. Enfim, faz-se qualquer negócio: em cheque, no cartão de débito, no de crédito, no boleto ou no carnê, até em créditos de outros clubes.

“Não deixe para amanhã, seu amor merece um presente assim.”; “Especial como o seu bom gosto. Leve para casa e sinta o verdadeiro prazer de viver!”; “Compre; senão, você, depois, vai ficar a roer as unhas de inveja do seu vizinho”; “A felicidade é uma questão de escolha; venha para o nosso clube de investimentos.”

As igrejas estão locupletadas de seres desesperados: o passado é algo que eles não querem revisitar; o presente transborda de ameaças (dívida, desemprego, violência, drogas, etc.), e o futuro… o futuro é uma calçada que todos, parece, têm medo de pisar, ou… Melhor, nem pensar. Neste cenário, entra em campo a pregação da utopia religiosa. Em alto e bom som, sobre o púlpito grande e alto, o “delegado de Deus” apresenta a todos o Paraíso aqui e agora. Sem bússola, sem barco e sem âncora, a navegar em águas revoltas, o ser humano, perdido e desolado, é presa fácil. E se entrega, de bom grado e sem boia de salvação, a tal timoneiro.

A literatura claudica nas festinhas literárias, onde se fala muito e se lê pouco. Em tais ambientes, Machado de Assis, Eça de Queirós, Montaigne, Cervantes, Platão, Shakespeare, Vieira, Balzac, Fernando Pessoa, Camões, Miguel Torga, Goethe, Borges, Cortázar, Italo Calvino, Dante, caso batessem à porta, ficariam do lado de fora, barrados com a terrível (e correta) sentença: “Aqui só entra quem nós conhecemos.” Intelectuais afeitos às rodinhas de intriga, inimigos dos clássicos, áulicos dos colunistas sociais.

Na política, os homens votados (e voltados) para o bem-comum são avis rara. Na tribuna, tais quais uns pavões, vomitam um emaranhado de grunhidos e gritos. Se chamam isso de pronunciamentos, tais discursos ferem as regras básicas da lógica, da boa gramática, sem falar que passam a mil léguas da estética e da ética. O estadista (por definição, aquele que visa a construção de uma sociedade mais justa, livre e fraterna) já desistiu da política. “Venho do povo. Falo em nome do povo, trabalho pelo povo e para o povo. Eu sou o povo.” — bodeja o líder da situação; para, logo depois, ser recebido, a portas fechadas, em um gabinete com ar refrigerado e tapetes persas, pelo empresário interessado na licitação para a construção de um novo “elefante branco”. Obra bilionária que sangrará as já combalidas receitas do erário. Tudo isso, ressalte-se, “pelo bem do povo”.

Largo minha pena, e resolvo parar de escrever esta “Pastoral do desengano”. Abro o Livro dos Livros, e, lá, me deparo com a palavra de Paulo:

 

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.

Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;

Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

 

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]