Clauder Arcanjo – Missa do Galo

A banda de música passou, e Pedrinho, criança, deixou esquecido o choro na calçada alta. Dali, o pequeno infante podia aproveitar a passagem da bandinha. Um espectador privilegiado dos dobres da Furiosa. Sim, Furiosa! Era assim que toda Licânia denominava aquele maravilhoso conjunto. Fardados, em passo ritmado, espalhando alegria pelos dobres, por entre as ruas da cidadezinha.

Quando a Furiosa dobrou a esquina, e o trombone deu-lhe uma espécie de adeus na nota soturna, Pedrinho não contou pipoca, pulou de cima da calçada e fez carreira no rumo da Furiosa. Os gritos de alegria cobriam, com folga, os rogos de Creuza, a mãe caturra:

— Volta aqui, menino danado! Volta aqui, seu desgraçado!

Durante quase uma hora, o filho de Nonato e Creuza espichou as oiças e arregalou os olhos para as maravilhas que saíam daqueles instrumentos musicais. Conheceu alguns dos seus componentes: Chico Jonas, concentrado no trombone de varas; seu Adamastor, no bumbo; Flavinho de Dona Augusta, no bombardino; Jacaré, no clarinete, e o filho de seu Chico Patrício, o pequeno Policarpo, a carregar o triângulo.

No adro da Matriz, o maestro, a abrir e fechar os braços no compasso da exibição. De repente, ele fechou as mãos, e o bumbo marcou o final de tudo. Com pouco mais, o padre convidou a todos para, logo em seguida, a Missa do Galo.

Pedrinho achou aquilo tudo muito esquisito. “Missa do Galo?!…”

Sentiu o roído da fome no oco da barriga e voltou para casa.

***

No caminho, bem encostado nas paredes, a escapar dos pingos de uma chuvinha fina, o pequeno Pedro ouviu, dentro da casa grande, um barulho de pratos e abraços.

Ao passar os olhos pelas vidraças daquele casarão, Pedrinho deu por um senhor barrigudo, todo de vermelho, de barba bem branquinha, a falar com uma voz gutural:

— Feliz Natal! Aqui está o seu pedido a Papai Noel, meu filho.

E o homem de barbas brancas sacou dois brinquedos de dentro de um sacão vermelho, saco este que trazia às costas.

Pedrinho parou, espichou as oiças e arregalou os olhos para aquelas maravilhas que saíram daquele saco de Natal. “Um trenzinho e um caminhão!”

Correu, desembestado, no rumo de casa.

 ***

Na entrada, Pedrinho mal deu pela presença do pai ao canto da saleta de estar, a mastigar um cuspo azedo de raiva nos beiços grossos.

— Mãe, mãe! O que é Natal?!

— Vem aqui que eu te mostro, seu excomungado!

Pedrinho deu a mão ao pai, entrando, em seguida, no quarto de casal. No armador, pendurado, um saco velho de aniagem; de dentro dele, saiu o presente: a palmatória.

Pedrinho, não mais criança, arregalou os olhos para aquele homenzarrão de barba quase branca ainda por fazer e chamou de volta a dor que havia esquecido na calçada alta da Matriz.

“Missa do Galo!… Missa do Galo!…”