Clauder Arcanjo – Mindinho

José Castilho Bezerra das Neves já nasceu pequeno e atrevido. “Deus bem sabe o que faz, se este danadinho fosse maior… Meu pai! Deus meu!”

Mexia com os irmãos, assanhava o silêncio das manhãs, zoava com os namoricos nas praças, enxertava troça na conversa séria nas calçadas. “Vai pra lá, seu capetinha!”

As árvores conheciam os seus dotes de aprendiz de acrobata; as cumeeiras, o seu mister de inquieto escalador; as bodegas, o ofício de azucrinador dos costumeiros bebuns.

Quando entrou no patronato, em busca de aprender as primeiras letras, nenhuma professora aguentou suas travessuras. De pôr fogo nos cadernos a levantar a saia das meninas, nada lhe escapava, tamanho desatino. “Está expulso. De castigo na sacristia, seu…” Lá chegando, dava para fazer careta para as imagens dos santos. Até que, uma manhã, ele resolveu tirar Nossa Senhora do altar; foi um espatifado só. A santa se fez pó. Uma sova pesada, com a força do chicote do inferno, não o fez mais manso e remido.

Certa noite, o padrinho resolveu admoestá-lo. “O que você quer da vida, meu filho. Nem as freiras o aguentam mais. Quer ir para um colégio interno, quer?!…”

Coçou o queixo e, traquinas, disse sim.

Com compadre Raimundo Nonato, não havia resposta mal posta. Semana seguinte, o padrinho comprou-lhe mala, roupas, bem como a passagem no trem, e tocou o afilhado para a capital, rumo ao Seminário da Prainha. “Lá, sob a lei de Deus, eles farão deste cabrão um homem decente e temente aos Céus.”

Qual o quê! Entre um latim e outro, entre uma página do Antigo e do Novo Testamento, após cada salmo cantado antes do Ângelus, Mindinho — era este o nome que lhe atribuíram, dado o pequeno porte — tramava a inserção de um dedo do diabo na mão pia dos padres e dos outros seminaristas.

Uma madrugada, ouviram barulhos de farra no galpão das aulas de carpintaria. Acreditem, o vinho e as hóstias eram consumidos por meia dúzia de abnegados discípulos da esbórnia. Foram sumariamente expulsos.

Da capital, não quis se despedir. Mindinho gostara sobremaneira do cheiro do mar e, em especial, do perfume e da maresia das morenas do Beco da Praia.

Com o tempo, de terno de linho branco e de sapato fino, ele instalou-se como “empresário da alcova”.

O padrinho não soubera da expulsão, pois Mindinho atalhara o seminarista que seguia com o conteúdo do telegrama para os Correios. “Dê-me cá este troço!”; ao tempo em que o rasgava, pedia-lhe eterno silêncio. Jurava-lhe segredo total, claro que sob o manto da ameaça de revelar-lhe partícipe da “noitada do vinho e do pão”.

***

No julho do ano subsequente, Coronel Raimundo Nonato foi à Capital, a fim de fechar negócio com o algodão da safra. Dado o lucro alto, o bolso se ofertou dadivoso. Tomou, então, um banho quente, colocou a melhor roupa, lambuzou a carapinha de brilhantina e resolveu apaziguar as carnes com as damas da noite.

À saída da pensão, foi informado da inauguração de um novo bordel, com lindas dançarinas, no Beco da Praia.

Pegou um carro de aluguel e para lá rumou. À entrada, sobre painel luminoso, em letras vermelhas e atrevidas: “Casa do Mindinho”.

Clauder Arcanjo

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