Clauder Arcanjo – Literatices

Terça-feira, manhã de sol. Folheio meus livros e apontamentos, deparando-me com sentenças que me inquietam, sempre que as leio e releio.

A primeira vem dos escritos de Borges. Leiamo-la:

O estilo não parece cuidado, mas cada palavra foi escolhida. Ninguém pode contar o argumento de um texto de Cortázar; cada texto consta de determinadas palavras numa determinada ordem. Se tentarmos resumi-lo verificamos que algo precioso se perdeu.

(Jorge Luis Borges, em Biblioteca Pessoal)

Assim Borges se expressa, quando nos indica a leitura de Júlio Cortázar.

Lembro-me bem do meu primeiro contato com um conto de Cortázar: “A casa tomada”. Primorosa ficção que abre o pequeno tomo Bestiário.

Incitado pelo Bruxo argentino, corro para a minha biblioteca à cata da pequena-grande obra de Cortázar. Minutos depois, retiro-a do fundo de uma prateleira, tomada por mediocridades literárias. “Minhas desculpas, mestre Cortázar!”

Sento-me na cadeira de balanço, posta no centro da sala do meu apartamento, e entrego-me ao estilo enxuto, e falsamente despretensioso, do autor de O jogo da amarelinha. Pelas mãos e pela clarividência do crítico Jorge Luis Borges, alumbro-me, ainda mais, com o estilo narrativo presente em Bestiário.

Levanto-me, tomo outra xícara de café e volto às prateleiras da minha biblioteca. No fundo de uma gaveta, alguns impressos. Numa das páginas, a afirmação:

É evidente que a tradução vive entre o possível e o impossível e por isso nada é mais vulnerável e exposto. É um trabalho que só podemos empreender aceitando à partida uma certa margem de impossibilidade. Um trabalho que nunca estará pronto, pois sempre haverá algo que apetece fazer.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, em Hamlet)

Levanto-me, sento-me, volto a me levantar. Enfim, inquieto-me diante dos tomos traduzidos em minha biblioteca. Mas como conhecer a riqueza de tais obras sem os olhos de um guia-tradutor?

Entendo agora por que Machado de Assis, segundo li há anos, aprendia alemão no final dos seus dias. O Bruxo do Cosme Velho era movido pelo intuito de ler Goethe na língua germânica, na língua original. Machado, eterno aprendiz.

Abro a janela, uma brisa morna acaricia minha face cansada. Na mente, um redemoinho de pensamentos. Entre eles, a lembrança do rosto triste de uma amiga, ferida pela palavra flamejante de outra “companheira de sonhos”. Seus olhos marejados não somem da minha mente, apesar das tentativas infrutíferas de tangê-los da memória.

Fecho a janela, deixando, lá fora, um luar trigueiro e doce por entre nuvens plácidas.

Deito-me cantarolando:

Don’t let me down!