Clauder Arcanjo – Apuro

Clauder Arcanjo – Apuro

Beijava-a com sofreguidão e persistência. Manhã, tarde e noite.

— Deixe de tanto apuro, homem! — alertava-o a mãe, zelosa, ao presenciar tanto salamaleque.

Ele nem ligava. Quando perto dela, ele sentia um aperto tão gostoso no peito, um friozinho na espinha… Só sossegava o facho, quando, pelo menos, colava os lábios naquela pele macia, beijando-a vezes sem fim.

No trabalho, a lembrança dela arrancava-lhe um bocado de riso. Os colegas, ao flagrarem-no mergulhado naquele desatino, cutucavam-se, confidenciando-se, entre si:

— De tanto apuro… Homem!…

Não fechavam a sentença, como se com a conclusão ferrassem, para sempre, o destino daquele bom companheiro de labuta.

O bocado que ajuntava, nos serões extras, destinava-o, todos os parcos cobres, para os regalos dela. O comerciante da província, ao tempo em que comemorava a venda, soprava para o caixa, quando ele sumia na esquina do Mercado:

— Tanto apuro!…

E subtendia as suas conclusões naquelas reticências; a ficarem dispostas sobre o balcão e as chitas coloridas, num corte de preocupação, como se antevisse o fim daquela conta.

Nos finais de semana, o seu programa era o programa dela. Louco por futebol, ele deixava que ela roesse as unhas, frente ao seu rádio ABC, acompanhando as novelas de amor. “E perdição!…” — no julgamento do pároco, seu primo, antes de informá-lo acerca do resultado da partida.

A empregada espanava os móveis com uma raiva ferina, revoltada com tamanha submissão. Quando uma louça era sacrificada por aquele espavento, ela arrematava, sem pedir desculpas:

— Apuro… Homem.

Após o almoço, em que comia sempre o melhor pedaço — muitas vezes, ele roía-lhe as sobras —, ela dormia a tarde toda na rede disposta na varanda. Varanda esta encoberta por uma “sombra dadivosa” da goiabeira do vizinho. Ela encostava a porta que dava para a casa, e pedia (melhor, ordenava) a todos para não ser importunada.

— Tenho o sono leve. E estou um caco, sabia?… Não consegui dormir com os seus roncos!

O marido fazia-lhe guarda, para que ninguém lhe quebrasse o descanso.

***

Na cozinha, a empregada rodava a vassoura, como se espada nas mãos de uma ensandecida. Ao esfarinhar uma inocente louça, urrava, como uma louca:

— Homem! Homem!…

***

No fim da tarde longa daquele domingo, o galho da goiabeira não resistiu.

— O que foi, benzinho?

— Nada. Deixe de apuro.

Ele sentiu um aperto no peito, um frio na espinha…

Clauder Arcanjo – [email protected]