Clauder Arcanjo – Apontamentos de um ferreiro da palavra

Força no fole que o aço-verbo precisa de mais têmpera, Clauder Arcanjo!

Há dias em que a manhã tem gracejos de noite. Apesar de portar uma margarida no olhar, um beija-flor nos cabelos, há, no meu alforje da memória, uma teimosa saudade da minha gente. Licânia. Ó, Licânia!

Sopra o vento sobre as cinzas, cata o homem uma palavra; sina de um advérbio relapso, preguiça de um verbo bem-posto.

O dia raiou, mas a esperança ainda cochila.

Fico por aqui. Entrego-me à rotina pragmática de mais um dia, e a poesia some na curva do Oriente.

***

Prenúncio de mais um alvorecer.

O dia nasce, e o poema dorme… nos braços lassos e gordos do poeta-fosso.

Tento reler Gullar, porém as minhas mãos estão muito sujas para serem dignas do Poema sujo.

Volto para a cama, e finjo dormir. Vã tentativa de só despertar quando este dia se for. E eu “Traduzir-se”:

“Uma parte de mim/ é todo mundo; outra parte é ninguém:/ fundo sem fundo.”

Será arte a minha parte?

***

Companheiro Acácio se aproxima, a devolver-me o meu romance-folhetim Cambono; em seguida, silente, deixa a sala, com o seu sinete de riso e troça na comissura dos lábios. Tal qual um Carlos Meireles redivivo?

“No outro dia, o sol brilhava, e os pássaros anunciavam um novo alvorecer.

— O mundo se acabou, senhor Cambono? — perguntou o pequeno Antônio.

— Não, ainda não. Digamos que Licânia nasceu de novo. Quem sabe um dia você não escreverá esta história?”

Licânia… Ó, Licânia!…

Tenho dito.

Clauder Arcanjo – Professor

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