Clauder Arcanjo

O futuro é um punhado
de cinzas que o vento semeia.
(Francisco Carvalho, em “Futuro”)

Tentei antecipar minha passagem final, afoito e agoniado; mas, ao chegar diante de Caronte, o óbolo que lhe levava era uma moeda de papel. Nele, os rabiscos de um verso tosco e desenxabido. De lembranças, nenhum dito. Ele me olhou, com olhos de fúria e espanto, e me ordenou que cá voltasse. E, como castigo, prendeu-me aqui com elos de humildade a escrever, com fogo e sangue, tudo aquilo que eu julgava de todo esquecido.

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Seu futuro terá o tamanho do metro do seu presente. E, acredite, a mesma marca do tecido do passado.

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As cinzas que jogares com fúria frente aos passos dos outros obstarão os olhos teus.
As cinzas as quais, com zelo e denodo, ofertares ao terreno de outrem, estas, suprema graça, adubarão as árvores que ofertarão os frutos que alimentarão os teus.

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Todo futuro nasce na esquina de outrora, no passo lento do agora. O tempo verdadeiro não suporta o mal-agradecido que teima em dribar-lhe com atalhos.

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Vem cá, mergulha no meu silêncio, e vê se ainda estou aqui. Se não escutares nada, saibas: eu cá comigo estou.

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Notei que Caronte, antes de retornar, me deixou uma passagem aberta de volta, mas me pediu para escolher a data. Desde então, Hades corre lentamente no fundo do meu esquecimento.

Clauder

Clauder Arcanjo
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