Clauder APílulas para o Silêncio (Parte CLV)
A lógica da noite é avessa aos paradigmas do dia. Enquanto as estrelas, na ordem direta do brilho, fazem os enamorados pulsarem, os matutinos amaldiçoam a claridade da lua.
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Nota-se a lealdade de um homem, quando o outro se sente amparado até no momento em que todo mundo sumariamente já o condenou.
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— Alto lá! — Ordenou-lhe o guarda.
— Meu senhor, não posso parar, nem muito menos aqui ficar. Estou sofrendo de cóli… — tentou argumentar o passante, enquanto se contorcia todo.
— Calado! Caso não, só me restará… Que catinga é esta? Pelo amor de Deus!… — Gritou o representante da lei, enquanto tapava as narinas largas.
— Eu queria seguir, agora aguente as consequências. Estou com cólicas horríveis, autoridade! A feijoada da empresa me fez mal! — Esbravejou, entre homéricas flatulências, o fétido homem.
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Entre centenas de vizinhos, apenas um lhe dava atenção. Toda manhã, logo cedo, ele cuidava de lhe oferecer o pão fresco de um novo bom-dia.
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Na cidade mais próxima, ele cuidaria de armar o seu circo: uma lona colorida, suportada por um mastro alto e forte. No picadeiro, todas as noites, o palhaço cuidaria de passar à criançada as lições do bom convívio, enquanto os pais gargalhariam por considerarem tais ensinamentos a melhor comédia já vista.
Semana seguinte, desfeito o circo, pé na estrada. O palhaço, professor sem escola, nunca desistia da suprema lida.
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A noite lá fora abafa a agonia dos velhos, abandonados em meio aos presentes-ausentes.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.