Careca e a arte de natureza religiosa

No Mosteiro de Santa Clara, pertencente à ordem das irmãs Clarissas Descalças, existem quatro grandes painéis realizados pelo artista plástico Careca. São de uma extraordinária beleza. Sua inscrição na História da Arte remonta à milenar tradição de retratação de santos e mártires da Igreja Católica, iniciado com mais rigor na Idade Média e atingindo seu apogeu antes do Renascimento. Embora a Igreja Católica sempre fora a maior incentivadora no campo das artes, vide o caso da profícua escola que teve seus alicerces em Florença, na Itália.

As pinturas foram feitas na parece sobre uma camada de massa acrílica, pintadas com tinta a óleo sobre a massa ainda úmida, para melhor fixar a cor. Causando um belo efeito de nitidez na aura de tranquilidade e contemplação dos santos.

Os santos retratados são Santa Luzia, São Francisco de Assis, Santa Clara e Nossa Senhora da Conceição. Os que mais atingiram um grau de originalidade foram São Francisco e Santa Clara, os demais foram retratados seguindo a maneira padrão com a qual fomos acostumados a contemplar.

Sintomático são os que mais fazem ressoar uma aura de concentração e austeridade, não se postando de maneira hierática, mas de forma bastante simples e desprovidos de cores, como sucede com as duas outras santas, as quais adentram elementos de um excesso de formas e cores que lembram o Barroco. São Francisco e Santa Clara encontram-se paralisados em suas meditações, cada um com seus atributos. Os pássaros e a lanterna, respectivamente. Com indumentárias das suas ordens, o marron, se fizeram ressaltar por conta do fundo ocre, verde e azul do plano da paisagem ao fundo.

Creio que Careca se inscreve como o maior artista visual de Mossoró, tendo em vista não só sua capacidade intelectiva, seu domínio da perspectiva, da composição dos planos e do amplo domínio cromático, que permite-lhe plasmar inúmeras séries que vão da influência de natureza popular, como o cordel, até a arte mais vinculada às tradições mais eruditas, como o São Francisco e a Santa Clara que aqui tratei.

Com relação à arte de natureza religiosa, o artista detém uma série extremamente original. Tendo sido elaborada digitalmente, com o controle dos meios das máquinas usadas, quem sabe isso tenha colaborado para que houvesse uma grande uniformidade em todos os desenhos.

Nesse sentido, há o controle total do artista sobre o que tensionava fazer,  talvez explique o belo efeito  do contraste entre o contorno negro, – e que perfaz o plano central dos santos em evidência -, contrastando com planos em diversas cores – variando de imagem para imagem. Valendo lembrar que os planos não são uniformes, tanto são diferentes nos formatos, nas cores e na pluralidade de miúdos desenhos que preenchem o interior de cada plano individual.

O artista inicialmente desenha com caneta Pilot sobre papel canson, em seguida fotografa e leva ao fotoshop, separando os cubos e segue digitalizando a cor por unidade de plano. É um meio bastante interessante e contemporâneo de se fazer arte, pois faz uso da parafernália eletrônica surgida nos últimos tempos. A Arte não poderia ficar de fora de meios que revolucionaram o fazer e até o comportamento e a maneira de pensar o mundo, sobretudo pelo seu excesso de informações.

Enfim, uma tradição tão antiga, que remonta aos primórdios do Cristianismo, nos quais os primeiros cristãos desenhavam seus ícones representativos nas paredes das catacumbas, surge contemporâneamente como forma de representar as imagens da Igreja Católica. Sendo que aqui, gostaria de deixar bem claro, que interpreto todo esse Imaginário Religioso como integrando a mitologia Ocidental. Não me interessa questões de crenças ou de fé.

 

                                      Márcio de Lima Dantas