As mulheres do futuro

Na década de 1930, os jornais e o rádio eram os grandes meios de informação e entretenimento de massa. Alguns diários chegavam às ruas com tiragens expressivas e uma grande influência sociocultural. E enquanto as emissoras de rádio transmitiam notícias e seriados de aventuras, as tirinhas de histórias em quadrinhos eram um atrativo a mais nos jornais. Alguns personagens eram populares: Mandrake, Fantasma, Superman, Flash Gordon, Tarzan e outros.

Numa conjuntura em que o mundo balançava na corda bamba entre a Grande Depressão e a ameaça dos regimes totalitários, apareceram nas páginas dos jornais quatro mulheres que na luta da ficção eram prenúncios de ventos de mudança real: a pesquisadora Dale Arden; a enfermeira e atleta Diana Palmer; a princesa Narda de Cockaigne; e a jornalista Lois Lane.

Muitas mulheres reais talvez nem soubessem disso, muito menos os desenhistas que lhes deram forma ou mesmo a maioria dos leitores homens. Mas cada uma delas carregava nas tiras e nas saias uma centelha de futuro.

A primeira a surgir foi Dale Arden, em janeiro de 1934, voando no espaço sideral ao lado de Flash Gordon. Mesmo rotulada como noiva do herói, ela desafiava o estereótipo da donzela passiva e encarava perigos interplanetários.

Num tempo em que a imprensa informava da ascensão de Hitler, Dale colocava a coragem e a inteligência na defesa do seu noivo e do planeta Terra, ambos ameaçados pela ganância e pelo terror do impiedoso imperador Ming.

Oriunda da parte mais mística da ficção, a princesa Narda de Cockgaine tinha sangue real e acabou envolvida nos poderes imaginários de Mandrake, o mágico. Em princípio parecia cumprir papel decorativo, mas ganhou espaço.

Surgiu em junho de 1934 e era fácil perceber seu protagonismo. Numa década onde o colonialismo ainda era norma e o Oriente retratado com ignorância, ela se impunha contrariando as normas do establishment político e masculino.

Dois anos depois, em 1936, apareceu nas tirinhas a elegante e charmosa Diana Palmer, uma destacada atleta de saltos ornamentais e que também era enfermeira da ONU lutando em favor dos direitos de mães e crianças africanas. Eterna musa do Fantasma, o Espírito que Anda, ela se dividia entre a atividade olímpica, as campanhas humanitárias, os eventos da alta sociedade e as aventuras no meio da selva de Bengala na companhia do seu namorado.

Na véspera da Segunda Guerra, em 1938, é a vez de Lois Lane estrear nos quadrinhos. Veio rápida como um cometa no espaço jornalístico de Metrópolis, tornando-se a repórter colega de Clark Kent e a namorada do Superman.

Com faro de furo, caneta afiada, perguntas cortantes, ela brigava por manchetes com os cotovelos rompendo a redação do Daily Planet. Enquanto Hitler queimava livros e calava vozes, ela escrevia e gritava com liberdade.

Dale, Diana, Narda e Lois não eram mulheres perfeitas e nem plenamente emancipadas se olhadas com as visões de hoje, mas estiveram longe de serem apenas coadjuvantes, como tantas mulheres reais no nosso cotidiano.

Naquela década conturbada socialmente, insegura economicamente e escura culturalmente, essas quatro mulheres de papel e tinta ajudaram a acender uma pequena fogueira de reais possibilidades. Foram um desenho de avanços.

Na linguagem da ficção, entre um ataque alienígena, uma reportagem especial, um ataque de piratas ou um mistério no meio da selva, elas já faziam, discretamente, os papeis de protagonismo feminino do século que nascia. E não há como negar que aquele foi o século da ascensão das mulheres.

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