ARTES & ARTISTAS

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor.

A TV foi esnobada pelos intelectuais no Brasil. Chamada de “máquina de fazer doidos” era questionada: “há vida inteligente na TV?”.  Mas desde seu início teve uma presença avassaladora nos lares brasileiros. As famílias abandonaram as calçadas onde se reuniam para conversar e passaram a se juntar em frente ao mágico aparelho. E haja Repórter Esso, Alô Doçura, Jeannie é um Gênio, Rin-tin-tin. Havia até produções nacionais como o Vigilante Rodoviário e o Falcão Negro. Ted Boy Marino era o campeão do Telecatch. Quem hoje reclama da influência da telinha não imagina como era nos anos 60. As novelas pontificaram. O Direito de Nascer foi furor em todo o país, com Mamãe Dolores e Albertinho Limonta tocando o coração das fãs. A novela Redenção durou dois anos e incríveis 596 capítulos! Havia até uma revista chamada InTerValo, com tudo sobre a programação das emissoras.

Nunca fui um enamorado pela TV. Em criança, quando poderia ter sido abduzido pela telinha, captávamos o sinal das emissoras do Recife em uma imagem preto e branco, tremida, fugidia, insuficiente. E haja girar a antena ou usar Bombril na tentativa de melhor ver Roberto Carlos e sua turma nas tardes da Jovem Guarda. Mesmo com essas dificuldades ainda consegui ver séries como os Irmãos Branagan ou Peter Gunn (o tema musical com os The Blues Brothers é fantástico). O Batman com Adam West era genial, usando a linguagem dos quadrinhos – pown, crash – e sendo propositalmente caricato, longe do Batman sombrio e angustiado de hoje. Bonanza, Bat Masterson, o Homem do Rifle, Paladino do Oeste, todos aproveitavam a popularidade das aventuras do faroeste.  Perdidos no Espaço tinha o ótimo Dr. Smith. Nesse tempo Raul Gil era apenas um comediante e seu bordão era uma musiquinha assim: “ai, nhégue, nhégue, nhégue/ a velha é de amargar/ai, nhégue, nhégue nhégue/ ela não para de cantar”. Quem diria que seria tão longevo? Coronel Ludugero fazia nossa alegria. Flávio Cavalcante era dono das noites de domingo, chamando “nossos comerciais, por favor.” J. Silvestre deslumbrou o Brasil com a beleza de Micheline. Sílvio Santos já nos aporrinhava com aquela musiquinha “Sílvio Santos vem aí”.
E havia os casais românticos: John Herbert e Eva Wilma; Francisco Cuoco e Ioná Magalhães; Batman e Robin (Robin enfim saiu do armário como se já não soubéssemos); Tarcísio Meira e Gloria Menezes.

Pois é. Em 1970 uma nova novela entrou no ar. Tinha uma trilha sonora marcante. E um roteiro meio faroeste, meio jagunçagem. Era a história de três irmãos, um deles jogador do Flamengo, vejam só. O mais velho, trabalhador de garimpo, era João Coragem (Tarcísio Meira), honesto, valente, apaixonado por uma jovem tripolar interpretada por Gloria Menezes. Foi sucesso absoluto. E lá estava eu, junto com as comadres, acompanhando as peripécias de um diamante roubado.

Tarcísio Meira foi mais uma vítima da Covid 19. Vi-o no teatro Alberto Maranhão, em uma peça que não lembro o nome. Impressionou-me o seu talento e a presença em cena. Mas as minhas restrições só caíram quando ele fez um personagem anti-galã em Guerra dos Sexos, juntamente com Paulo Autran e Fernanda Montenegro. E depois, ao fazer o jagunço Hermógenes em Grande Sertão, me fez fã. Um grande ator não vive só de grandes papéis.  Robert de Niro empresta seu talento a comédias absolutamente dispensáveis.

A morte de Tarcísio nos induz ao pensamento:

O que houve com a arte e a cultura brasileira? Está entregue a um talibã tupiniquim, onde livros, peças e filmes são cerceados por uma duvidosa ideologia? O MinC desde a criação foi um ministério iô-iô.  Fernando Collor extinguiu-o e Itamar Franco devolveu-lhe o status de ministério. Temer tentou, mas não conseguiu dar-lhe cabo. Em janeiro de 2019, o atual governo mais uma vez reduziu a cultura ao status de Secretaria, subordinada ao Ministério da Cidadania e depois do Turismo. Isso representa menos grana e autonomia. A Secretaria é uma espécie de recordista em mudança de titularidade. Henrique Pires, Ricardo Braga, Roberto Alvim (aquele que citou Goebbels), a meteórica Regina Duarte e agora o canastrão Mário Frias que não sabe sequer quem é Lina Bo Bardi. E os desastres se sucedem. O incêndio da Cinemateca Brasileira foi o último deles, fruto de descaso e abandono. Como se as ações (ou falta delas) oficiais não bastassem, as patrulhas ideológicas queimam a estátua de um bandeirante a título de revisão histórica. E um artista popular incorre em crime ao convocar a população para atos absolutamente antidemocráticos enquanto Martinho da Vila sofre acusação de racismo por parte do presidente da Fundação Palmares.  Ao mesmo tempo o Ministro da Educação afirma que a universidade deve ser para poucos e que garotos deficientes atrapalham o resto da turma.

Sempre achei que fazer arte e cultura era um ato de resistência. Contra a ignorância, contra o mal, contra o obscurantismo e a idiotia. A arte faz do mundo um lugar melhor para viver. Valorizar nossos artistas e autores, nosso folclore e nossas tradições, é obrigação. E erguer alto a luz do saber, pois o conhecimento é nosso instrumento de transformações. .

NATAL/RN

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