Amor em tempos do Facebook

Gutenberg Costa – Escritor, pesquisador e folclorista.

Histórias contadas em calçadas de barbearias e farmácias, como nos alpendres sertanejos e nas feiras, não me faltam. Essa de hoje foi presenciada por mim em uma antiga viagem de carro de aluguel, antes do surgimento dos atuais ‘urbes’’. Faz um tempinho, mas é melhor guardar sigilo da cidade e dos envolvidos. E principalmente, porque hoje vivo na paz de um paraíso e o dito casal pode me levar a presença de um brabo delegado, coisa que não quero ver nem depois de morto…

Essa história verídica, me levou ao passado em que eu lia romances de amor nos velhos folhetos de cordéis. Até no genial Gabriel Garcia Marques e o seu belíssimo, ‘Amor em Tempos de Cólera’. Quando eu era criança e andava agarrado na mão de dona Estela, vendo uma moça já idosa sem ter casado, ouvia para acalentar a minha santa curiosidade a seguinte explicação materna: “Meu filho, essa moça ficou no caritó!”. Depois de crescido é que fui pesquisar o que diabo era esse tal do caritó, tão falado lá em Pendências, que assombravam as pobres moças que não arranjavam casamentos, mesmo depois de mil promessas com Santo Antônio. O santo ‘desencalhador’ ou ‘desatador de nós’…

Conto apenas, que era um sábado de sol muito forte e do mês de agosto de 2011. Eu estava feliz da vida em um automóvel, desses que fazem viagens. Não gosto muito deles não, mas para viajar até em carro de boi já fui em aventuras. Ia como de costume na frente ao lado do motorista, pois não sou supersticioso. Quando a velha da foice vem buscar o sujeito, tanto faz está atrás ou na frente. Aqui e acolá a conversa fluía sobre tudo. Risadas não faltavam ali, entre mim, e o motorista bem animado e os outros três ocupantes que vinham no banco de trás. Dois jovens e uma jovem moça, mais calada ou desconfiada com a maioria machista ali na dita viagem.  Eu era o mais idoso ali no grupo.

Um dos rapazes lá de trás, vinha alegre feito pinto em beira de cerca. E logo nos contou o seu segredo de sua alegria e o motivo de sua viagem tão sonhada. É que o mesmo conhecera uma moça mais velha do que ele, no tal abençoado ‘Face’. Trocaram fotos e frases de amor de causar inveja no velho casal Romeu e Julieta. Amor para mil e uma noite. Paixão cega da ‘mulesta’ era pouca. Ele, falava sobre a sua amada, como criança comendo chocolate ou Adão no paraíso antes da cobra aparecer. E pelo visto da falação, a sua futura esposa seria a beleza em carne e osso. Uma Maitê Proença jovem na terra potiguar.

Segundo ele, iam se casar ligeiro que só raposa na carreira com cachorro. Ela era funcionária da prefeitura da cidade. Tinha um bom ‘dote’ como diziam no tempo de minhas avós. Era uma esperançosa de um casamento há décadas. Filha única da herança dos pais já falecidos. Tinha até uma casa já os esperando, com tudo de mobília simples que um casório pobre precisa. Galinhas no quintal com medo de panelas com água fervente. O pinguim em cima da geladeira já estava ansioso os aguardando naquela terra tão quente sem chuvas. Tinha até um lindo jardim, do tipo que o Burle Max planejava quando vivo. Tudo como nas fabulas de Esopo e La Fontaine. Um belo conto de fadas de fazer inveja a Alice no país das maravilhas. Só faltava mesmo um cachorro vira-lata e um gato preto, para completar aquela felicidade matrimonial, tão esperada e tramada pelo facebook.

E voltando ao fio da meada. Quando o nosso carro de frete de passageiros chegou na esperada cidade, a namorada ou noiva, já estava muito sorridente em sua calçada a sombra de uma antiga tamarineira. Talvez mais velha do que a própria. Deu-nos logo para observar algumas falhas dentárias na noiva, coisa que depois um protético resolveria. Dizem que dinheiro resolve quase tudo. Observamos também que a mulher era literalmente muito feia. Como não sou bonito, nada posso ter contra a feiura. Era um tipo baixinha, branca, magrinha e cabelos pretos lisos até os ombros. De brincos de rodelas e anel brilhoso de ouro já na mão direita. Até lembrei que a dita ‘noiva do face’ se assemelhava aquela atriz da antiga escolinha do professor Raimundo, da TV. Uma bem magrinha e muito feia. Aviso de supetão, que nada tenho contra as baixinhas, magrinhas, e feiosas.

Sou daqueles que vejo a beleza em outros ângulos. Nunca me enganei com aquelas embalagens das prateleiras de antigas bodegas. Quando eu vi a fotografia da Yoco Ono, a companheira do John Lennon, a achei uma mulher bonita. Meus amigos seus fãs, não. O amor não vê o que nos vemos, dizem os especialistas e românticos. O povo nas feiras, sabiamente dizem, que para cada sapato existe um pé. Para cada luva, uma mão. E todo Tomé, encontra sem querer a sua Bebé…

O noivo desceu dando pulos de alegria ao encontro de sua paixão do facebook. Ao vermos os dois se abraçando e aos beijos, juro que contemos as gargalhadas. Há Facebook ardiloso dos diabos. Botou numa garrafa o casal de noivos doidos para se casarem. O matuto diz rindo que a gasolina estava ensopada e só faltava riscar o fósforo. O primeiro a comentar o amor do face book foi o motorista que disse não se aguentar com aquilo visto: “Minha gente, tá vendo que eu ia deixar meu emprego e minha família em Natal, para morar nesse fim de mundo, aonde quando chove cachorro morre de susto, para me juntar com uma mulher tão feia e velha dessa. Eu não vinha nem amarrado e a força de macumba. O mundo com essa internet tá mesmo virado de cabeça pra baixo. Só Jesus na causa viu!

E eu nada comentei sobre o enlace amoroso. Pensei que aquela forte paixão, tivesse pelo menos uma advogada ali no trajeto, mas a única mulher do automóvel disparou em seguida o seu pensamento feminino: “Deus me livre de casar com um homem sem conhecê-lo de perto. Estou em desespero não. Doida varrida não. Acho que nem minha tia Corina, que já está no caritó há muito tempo, cairia numa dessas! Meu padrinho Cícero do Juazeiro, que me livre desses casamentos arranjados pelo face book. Desconjuro”. Foi dizendo isto, agarrando um surrado rosário, que já trazia atracado nas mãos, e fazendo o sinal da cruz como toda católica faz em desespero.

Quase todo santo, dia eu vejo no meu televisor, que essa internet se vende até gato por lebre. Pobre aparece rico e feio se transforma em bonito. É a zorra da tapeação. Universidade da malandragem, com mestrado e doutorado. Minhas filhas me acham um velho fora do tempo e das suas tecnologias. Me apelidam de seu ‘Lunga’.  Elas, não sabem que macaco velho não põe a mão em combuca e seu ‘Seguro’ morreu de velho. Sou matuto e desconfiado. Só compro, vendo, cheirando e pechinchando de fazer chorar o vendedor. Sou de comprar no camelô e não na moderníssima internet ou mídias correlatas. E aconselho que facebook nem pra fazer amizades, quando mais para casar…

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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