Acesso à terra, no Brasil: uma questão de ordem ou de justiça social? – Rogério Cruz

Neste 25 de julho de 2017, o Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), invadiu fazendas que, segundo esse Movimento, seriam ligadas a políticos e empresários que estão sendo investigados por suspeita de corrupção.

Sem necessariamente se ater a esse fato – mas guiado por aquilo que seriam os princípios orientadores das ações desse Movimento -, tem-se que essas ocupações de terras agrícolas teriam basicamente duas conotações. A primeira, porque existem espaços rurais que estão improdutivos; e, a segunda, porque é negado um espaço de terra a milhares de famílias de agricultores, seja pela ausência de Políticas Públicas, seja porque esse Movimento é composto por pessoas que não tem condições de adquirir terras para poder plantar sua própria subsistência.

Nesse sentido, indaga-se: existiria, de fato, um espaço agrário improdutivo, seja na economia brasileira, seja na economia do semiárido, ou, se está criando um fantoche acerca desse tema?

Inicialmente, meu caro leitor, suponha que você fará uma viagem, por rodovia, de Mossoró até Natal. O que se verá, no tocante ao uso da terra, nessa viagem? Será visto muita terra improdutiva, ou, ao contrário, muita terra que contém algum tipo de cultivo ou atividade criatória?

Segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tanto em nível nacional, quanto estadual ou ainda local, constata-se ociosidade de grande parte da terra agrícola do semiárido potiguar. E, além disso, que existe muita terra nas mãos de poucos, ou seja, que há expressiva concentração da propriedade privada da terra nas mãos de poucos proprietários.

Portanto, mesmo considerando os danos causados pelo longo período de estiagem, verifica-se que nosso território tem muito espaço concentrado para poucos e se mostra ocioso. Logo, neste primeiro item, de fato, o MST, tem razão.

No caso da segunda posição, dizer que o acesso é negado – seja pela ausência do Estado, seja pela lógica do mercado -, também pode se supor que seja verdade. Então, nesta condição, por que isso ocorre?

No Brasil, a terra ganhou a condição institucional de ser um bem privado e/ou uma mercadoria, a partir de 1850, com a edição da chamada Lei de Terras (LT). A partir desta LT, o acesso à terra se faz – por vias legais – mediante compra. Ora, a cada compra corresponde uma venda igual e contrária. Logo, esse processo de compra e de venda de terra dava início à constituição do assim chamado Mercado de Terras Agrícolas (MTA).

No caso do estado do Rio Grande do Norte, essa determinação legal surgiu apenas em 1895, onde, tal como era válido para o caso geral, o acesso à terra ficou condicionado aos que tem poder de compra para fazê-lo.

Modernamente, no caso dos integrantes do MST, pode-se dizer que foram e/ou estão sendo “barrados no baile” porque não tem poder de compra para ter acesso à terra agrícola.

Daí ter surgido o debate, na atualidade: de um lado, há uma interpretação de que, invadir uma propriedade fere a ordem jurídica, segundo declarou recentemente a senadora Ana Amélia/RS, dentre tantos outros que defendem essa tese. E, de outro lado, há o entendimento de que, se tem muita terra ociosa e/ou improdutiva, muito provavelmente é porque vem sendo utilizada de maneira especulativa, e, portanto, deveria ser destinada a quem quer produzir (como tem dito o economista Stédile/MST, por exemplo).

Uma vez colocada essa divergência de interesses entende-se que a solução do problema do acesso à terra, tudo indica, não pode ser interpretado apenas à luz da ORDEM legal existente. Mas, também do ponto de vista da JUSTIÇA social.

Enfim, o ato de acampar e/ou de invadir propriedades rurais ociosas, independentemente da razão alegada, ao mesmo tempo em que consiste numa transgressão à ORDEM, ao menos em tese tal como veem os representantes do MERCADO, também deve ser visto como uma demanda de terras, até para que se faça JUSTIÇA, tendo em vista o impedimento ao acesso por muitos contra o comando de uns poucos. Esta, tudo indica, uma questão que cabe ao Estado resolver.

Portanto, em face do exposto, entende-se que seja falso negar o acesso à terra pela razão de que se trata de uma contestação ao que está posto. Na aparência, até pode ser. Mas, em essência, não o é.

Por que?

Porque uma vez tornados proprietários, os atuais sem-terra, tenderão e/ou serão impelidos a agir dentro da lógica capitalista, atualmente existente. E, com isso, tudo indica, devem ampliar ao invés de contestar a ordem que está posta. Pois, a força do mercado tem se mostrado maior do que a força social emergente e comandada pelos integrantes do MST.

É como dizer que lutam por justiça para provavelmente ampliar a ordem existente, e, deverão fazê-lo, até mesmo na suposição de que não queiram.

Contestar o estado de coisas existentes? Não acredito que isso venha a acontecer, de fato, ainda que possa existir contestação, que, tudo indica, tenderá a se esvair ao longo do tempo porque talvez até seja um discurso que não poderá corresponder aos fatos que estão e que continuarão a estar postos.

Convite final: você, leitor, examine o que de fato ocorre no cotidiano de um assentamento constituído ao seu redor e elabore suas perguntas e/ou suas próprias conclusões sobre o tema.

 

Rogério Cruz é doutor em Desenvolvimento Econômico/Unicamp. Professor da UFRN. Aposentado.