A insensatez dos planos de saúde – Setor ainda não expôs o que planeja para a pandemia

Num esforço solidário sem precedentes, boa parte dos brasileiros acatou o afastamento social para frear o coronavírus e tentar evitar o colapso dos nossos hospitais. Ao custo humano do isolamento somam-se escolas fechadas, empregos perdidos e salários cortados, além da corrida do Sistema Único de Saúde (SUS) para readequar serviços, sabidamente precários e insuficientes, e coordenar a vigilância epidemiológica, as instituições de pesquisa e a produção de insumos.

Enquanto o sacrifício aflige amplos setores da vida nacional, é insensata a movimentação dos planos de saúde, que ganharam do governo Bolsonaro pacote de recursos no valor de aproximadamente R$ 15 bilhões.

segmento de saúde suplementar, que em 2019 faturou R$ 213,5 bilhões, ainda não expôs ao país o que planeja para enfrentar a Covid-19.

Muitos dos 47 milhões de seus consumidores, dentre os quais 6,5 milhões com mais de 60 anos, estarão infectados. Calcula-se que até 15% dos diagnosticados possam demandar internação e, desses, cerca de 5%, irão precisar de terapia intensiva.

Como sempre foi, muita gente que tem plano privado será atendida em hospital público. Isso porque há planos com restrições de coberturas e serviços de má qualidade perto do que é oferecido pelo SUS, ao qual todos os brasileiros podem recorrer —e que vem se organizando diante do avanço da pandemia, investindo em hospitais de campanha e ampliação de leitos, inclusive de UTI.

Mesmo assim, os planos de saúde foram autorizados a mobilizar R$ 10,5 bilhões do fundo garantidor, composto por ativos próprios, antes intactos para proteger usuários, hospitais e médicos diante da insolvência de operadoras. Também foram desobrigados de compor reservas e garantias, entre elas recursos para assegurar o ressarcimento ao SUS, quando seus clientes são atendidos na rede pública.

Para liberar os saques, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) exige contrapartidas genéricas e extemporâneas: os planos devem “pagar regularmente os prestadores” e “oferecer renegociações de contratos” até o dia 30 de junho, data burocrática sem sincronia com a situação sanitária. Ao não vincular as retiradas à ampliação da assistência, e sem definir como se dará a reposição ao fundo, as medidas da ANS soam como cheque em branco.

Recomendações para proteger indivíduos, famílias e empregadores com mensalidades em atraso foram desconsideradas. Já se ouve de porta-vozes do setor que os reajustes serão maiores nos próximos aniversários dos contratos.

Além de aliviar o caixa das operadoras, a ANS decidiu adiar consultas, exames e internações não urgentes. Postergar prazos de atendimento pode piorar o estado de doentes que necessitam programar e realizar tratamentos e cirurgias. Sem acesso a consultas médicas agendadas, pacientes tendem a buscar emergências de hospitais, nas quais o risco de contaminação é elevado.
As flexibilidades não param por aí. Em linhas de crédito, o BNDES liberou R$ 2 bilhões para empresas da saúde, enquanto a Caixa Econômica Federal repassará R$ 5 bilhões a hospitais filantrópicos, que também atendem convênios médicos.

Escandalosamente, o volume de recursos adicionais à disposição da saúde privada já é muito superior ao total destinado ao Ministério da Saúde para combater a nova doença.

Vários países determinaram, enquanto dura a pandemia, o uso comum de recursos assistenciais, subordinando o setor privado ao comando único público. No Brasil, o acesso de quem tem plano privado a serviços de saúde não tem como critério a gravidade dos casos. E clientes de planos mais baratos são atendidos em hospitais menos prestigiosos. A emergência sanitária não rompeu barreiras prejudiciais ao melhor atendimento.

A liberação de tanto dinheiro para ajudar empresários não têm como perspectiva uma rede integrada de assistência com escala adequada para salvar vidas de todos. Por aqui, nem o coronavírus detém a sanha dos planos de saúde de tirar proveito das circunstâncias.

Mário Scheffer

 

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