A eternização da votação uninominal e lista tríplice

Alguns assuntos são cíclicos. Surgem e ressurgem ao arbítrio das circunstâncias, ou mesmo de fatos novos também cíclicos do nosso cotidiano. As discussões em torno da lista tríplice voltaram à tona recentemente quando o atual presidente da república resolveu não empossar reitores que tinham sido eleitos em algumas universidades federais, uma atitude tida como antidemocrática, mas amparado inclusive pela legislação. Outra anomalia é a votação uninominal, que permite ao eleitor votar no cabeça de uma chapa e no vice da chapa opositora, algo impensado em quem entende minimamente de gestão, mas que figura na norma jurídica e se eterniza nas universidades.

No ano de 1968, coincidentemente conhecido como o ano que não terminou, foi promulgada a Lei Federal n° 5.540/68 que trata das normas das universidades brasileiras. Uma época conturbada com protestos contra a ditadura militar, opressão à mulher, em favor da liberdade, protestos enfim dos mais diversos na sociedade brasileira. Este ano foi o palco do nascimento de uma deturpação do pluralismo de ideias, que existe e deve existir dentro das universidades. Em nome deste pluralismo nasceram duas anomalias, hoje defendidas por poucos cujos efeitos nocivos são brutais, uma chamada de votação uninominal, e outra de lista tríplice.

Praticamente 99% dos dispositivos desta lei de 68 já foram alterados por outras que se seguiram. Porém, o artigo nº 16, inciso I, da Lei Federal n° 5.540/68 foi modificado para a seguinte redação: “Art. 16. A nomeação de Reitores e Vice-Reitores de universidades, e de Diretores e Vice-Diretores de unidades universitárias e de estabelecimentos isolados de ensino superior obedecerá ao seguinte: I – o Reitor e o Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, sendo a votação uninominal” (Redação dada pela Lei nº 9.192, de 1995).

Curiosamente hoje, mais de duas décadas depois, recebemos a notícia da publicação do novo estatuto da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, aprovado pela Resolução Nº 19/2019 – CONSUNI, de 10 de setembro de 2019, que tão somente reedita e eterniza em seu artigo 19 a votação uninominal e a bendita lista tríplice. Não era pra existir lista tríplice, se foi eleito um reitor e um vice-reitor que figure o nome destes dois para o chefe do executivo os nomear, ponto. Ou seja, no dia em que um governador quiser pensar como o atual presidente da república, simplesmente não nomeia o reitor eleito, empossa quem quiser desde que figure na bendita lista tríplice. Esta prerrogativa torna-se, absurdamente, imexível como diria Antonio Rogério Magri, então ministro do Trabalho da gestão do Presidente Fernando Collor de Melo.

Quem entende minimamente de administração, de gestão, das entranhas e da forma de gerenciamento das instituições públicas sabe o quão danoso, pernicioso, negativo, é a existência de dois chefes maiores com pensamentos diferentes quanto aos rumos dados no tocante ao processo de tomada de decisões, e também da possibilidade de existência de um líder maior nomeado que não tenha sido eleito democraticamente por sua comunidade. Se administrar uma universidade pública com poucos e limitados recursos é complicado, imagine o ilustre leitor com um reitor nomeado sem ter sido eleito pela comunidade, o estrago da institucionalização do autoritarismo e eternização do conflito. Ou mesmo, noutro aspecto, com um vice pensando, atuando, agindo e praticando atos contrários aos do reitor! Não devemos ser como o sacerdote sem vocação que diz “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

No âmbito acadêmico as votações giram, ou deveriam girar em torno de projetos para a universidade. Não se vota, não se deve votar em projetos individuais, que fazem uso de um dispositivo de uma lei de 1968 que ainda está “imexível” por conta do entendimento de nossos legisladores que não modernizam as leis, e porque é interessante para uns poucos esta possibilidade de vermos fracassarem os projetos de universidade, para a perpetuação dos argumentos cansativos e ridículos de que é para privatizar tudo.

Cabe a cada um de nós, por fim, uma reflexão sobre aquilo que pensamos, falamos e agimos em benefício de nós mesmos ou da coletividade. Cabe também pressionar nossos representantes para darem um pouco de atenção contra estas duas anomalias do voto uninominal e da lista tríplice nas universidades públicas. Ninguém em saudável consciência compreenderá que isso é positivo para a gestão universitária, para as instituições que educam nossa juventude. Por que o presidente Jair Bolsonaro  não tem alguém do PSOL ou do PT como vice-presidente? Já imaginaram como seria o Brasil, de dimensões continentais, ser gerenciado desta maneira, com seu presidente agindo de uma forma, e quando viajasse para o exterior o vice-presidente assumisse, demitisse ministro etc; desfazendo tudo o que o titular tinha feito? O que seria do nosso amado Brasil? Impensável, certo? Na universidade pública no Brasil e no RN isto não é só possível acontecer um dia, como está previsto legalmente, e ninguém diz nada sobre o assunto. É esta a reflexão que reeditamos, ainda, em tempo hábil.

 

Auris Martins de Oliveira é Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.