PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXII)

                                                                            Clauder Arcanjo*

(“O beijo na cama”, de Henri De Toulouse-Lautrec)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Confidências a Biscuí

 

O amor risca a tarde

E o silêncio é crepúsculo.

O amor alaga o olhar

Deste exilado de ti.

 

Ouço a pragmática senhora indagar ao cair do dia: “Para que serve o amor?”.

Tenho ânsias de lhe responder, mas a elegância me tolhe o gesto, e eu retorno para dentro de mim. Com a sentença já pronta, escrita e ofertada pela saudade dos teus lábios, Biscuí.

“O amor não serve para qualquer uma!”, ouço a tua conclusão. E bato palmas por tua ousadia, Biscuí, ao tempo em que xingo a minha “educada” covardia.

 

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Amei o dia,

Se o dia era teu.

Amei a tarde,

Se a tarde era tua.

Amei a noite,

Se, à noite, vinhas.

 

Pondero que o amor não está na moda; e tu, amante das loucuras, abres-me os braços, estendes o teu corpo sobre o meu, avanças o teu riso sobre o meu pragmatismo e declaras:

— Hoje, haja sol ou chuva, a Deus ou ao fim de tudo, vou te afogar sem clemência no oceano das nossas venturas. Tire o paletó e os sapatos e cuide de voar comigo — ordenas-me.

De repente o céu veste-se de cores, borboletas azuis, canários-belgas, sanhaços ariscos. E eu me contento, satisfeito em ter a tua bastante presença.

 

Coisas há que não se explicam

Credos há que não se entendem

Amor é coisa de muita sandice.

 

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Se há um Céu,

Eu só o desejarei

Se estiveres comigo.

 

Na noite longa, tuas mãos pequenas ofertavam a doçura infinita. Em cada carícia, o néctar do reconforto, a estima de se reconhecer o escolhido. E, ao fim e ao cabo, sei que o meu reinado, Biscuí, começa e termina em ti. E o teu corpo-promontório me basta, sou cidadão de uma deusa-ilha.

No dia que virá, pouco importam os desafios, há, a me esperar, um porto alento. Sem navios, sem tesouros, contudo com a paz na vela de nosso lar.

— Amor à vista!

 

Contigo rezo

Confiando na tua fé

A ti me entrego

Adorando o calvário.

 

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E, no ritual

Das noites,

Tu me guiavas:

Paixão e fúria.

 

O quarto silenciava quando nos entregávamos. O tempo parava em respeito àqueles cativos um do outro. No entanto, saibam todos, quando os corpos se comungavam, as nossas almas há tempo irmanaram-se no inominável advento do batismo da eternidade.

 

O prazer escorre lento

No leito da madrugada.

Quando se ama, saiba,

O relógio é mero invento.

 

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Em tua substância

Plantei minha raiz.

E ouvi o pássaro

Que cantou por nós.

 

Quando revejo Licânia sem a tua presença, Biscuí, sinto o vazio das ruas, a orfandade do passaredo, a luz difusa da aurora sem o sol que a alumia.

Enfim, Licânia sem ti é litania do desterro.

 

Conto contigo no Além.

Se lá não estiveres,

Deixem-me ficar ao léu.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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