Violência contra as mulheres no Brasil e nossa aceitação do Mal Banalizado

Quando, na época, um certo parlamentar brasileiro, cujo nome, em respeito à decência não irei nominar, disse à uma colega deputada que não a estupraria porque ela não merece, a banalização do ocorrido e, anos depois, a depreciação do fato pela justiça, nos ensinam muito sobre a cultura da violência contra a mulher no Brasil.

Essa cultura da violência contra a mulher no Brasil tem meandros e teias que não apenas permanecem, mas estão solidamente enraizados no processo de reprodução social de nossa sociedade. Batemos em nossas filhas para depois bater em nossas companheiras. O estupro, afinal, é apenas a cereja bárbara do bolo da violência caudatária.

Não se trata apenas do machismo como estrutura mental institucionalizada. Sim, é a tradição que se impõem (tenta desesperadamente) diante da modernidade líquida que esvazia os velhos padrões de autoridade. As mulheres, principalmente no Ocidente (central e periférico) conquistam cada vez mais espaço e isso quebra a hegemonia tradicional do mando masculino. A mudança vem com rupturas e resistências.

A cultura do estupro em sociedades e comunidades tradicionais é um aspecto macabro deste processo. Seja na Índia, no Brasil ou na Palestina, mulheres e meninas estupradas são vítimas ocultas desse crime, que é subnotificado e pouco discutido. São companheiros, pais e namorados, ou mesmo parentes próximos, os grandes algozes da violência, seja ela sexual ou não. As mulheres jovens são as maiores vítimas, fazendo com que, no Brasil, uma mulher a cada 11 minutos seja estuprada.

Embora considere o estupro como crime hediondo (ao menos no plano jurídico), nossa cultura esconde uma paternal negligência contra o crime, sempre considerando a vítima como culpada. Isso mesmo. Além de vitimada, a mulher é acusada de “permitir” de alguma forma, o ato violento intencional. Também é a mesma cultura machista que, ao objetalizar a relação com a mulher, termina por culminar no assédio que, de certa maneira, é a antecâmara do estupro.

Precisamos reconstruir nossas relações sociais e a forma como tratamos nossas mulheres. A igualdade não passa pelo princípio da força física (o que o dimorfismo sexual de nossa espécie não permite, na maioria das vezes) mas pela lógica de que o tratamento deva ser igual quanto à dignidade dos entes.

Dividir as tarefas da casa e da rua, tratando-os como iguais é um dos elementos chaves. Seja quem for o trabalhador doméstico, este é um ofício fundamental que, mais do que antes, deve ser dividido entre os casais. Um das formas de violência mais sutis que as mulheres são submetidas é a econômica e a laboral, que impõem ou a subordinação financeira, ou a labuta da terceira e quarta jornada. Ou mesmo o discurso simbólico castrador, que impõe à mulher o silêncio ou a subalternidade de sua fala ou de sua ação. A base da igualdade de gênero, em minha modesta opinião, porém, não é apenas discursiva. Passa pela emancipação econômica e pela tratativa dos ofícios e tarefas em plena igualdade.

Porque as mulheres são apenas menos de 6% da população carcerária em todo o mundo e, ao mesmo tempo, são também as que menos perpetram violências dolosas mais graves? A resposta está no modelo educacional que reservamos, como sociedade, a elas (obviamente, no que ele tem de positivo). Esta aí também a (uma das) resposta(s) para a construção de uma cultura da dignidade e da paz.

Podem “mitar” à vontade. Seja lá o que diabos isso signifique.

 

 

Thadeu de Sousa Brandão

Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Membro Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituições – PPGCTI e Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA.  Coordenador Acadêmico do OBVIO RN. Autor de “Atrás das Grades: habitus e redes sociais no sistema prisional”, entre outros.

Currculo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4736200P7