Thadeu Brandão – O “Pingo da Mei Dia” e a sacralização do “panes aet circum” em Mossoró

Hoje, para gozo e alegria das massas (mas não aquelas das pizzarias, alerto), Mossoró terá seu primeiro dia de apoteose junina com a abertura do “Mossoró Cidade Junina”, edição 2016, com o evento “Pingo da Mei Dia”. Serão inúmeras bandas e artistas da indústria cultural que desfilarão, numa espécie de “São João Fora de Época”, ao longo da Avenida Rio Branco, também denominada de “Corredor Cultural”.

A comparação não é fortuita: carnavais fora de época são eventos privados, de cunho midiático e ligados à indústria cultural. Sua preocupação não é divulgar a cultura ou expandir algum legado cultural. Seu papel é, única e exclusivamente, o lucro que gerará às empresas do setor. Alegria etílica e muita música de caráter duvidoso. Mas, o que importa é que os romani populum estejam apaziguados.

Apesar de ser tombada como “Patrimônio Imaterial do Rio Grande do Norte”, o Mossoró Cidade Junina foi perdendo os parcos eventos ligados, de fato, a esse patrimônio. Mamulengueiros, sanfoneiros, repentistas, poetas populares, quadrilhas juninas e tantas outras atrações são obliteradas são deixados em segundo plana e, quando não, esquecidos na poeira esquecida da história.

O que fica de Patrimônio Cultural no MCJ? Seu legado é tornar-se uma espécie de carnaval fora de época que, culturalmente, nada traz valorativamente à sociedade? Fora a privatização crescente dos espaços públicos, notadamente pelos camarotes que agora ocupam em massa a avenida, o que há de popular que se manterá, se até o povo corre o risco de, como espectadores, serem transformados em cidadãos de segunda classe no gozo da festa que dizem, ser deles?

O “Pingo da Mei Dia” será um sucesso, dizem. Todos estarão lá, afirma. E estão certos. Esqueçam a cultura popular. Esqueçam o legado cultural sertanejo. Esqueças todos os problemas da cidade. Tudo está suspenso diante da Epifania da Festa. Afinal, na Roma Antiga, mesmo quem não apreciava a violenta exposição de mortes nas arenas de gladiadores, estavam lá e eram os primeiros a gritar: “Ave Caesar!!!”.

 

Thadeu de Sousa Brandão

Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Membro Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituições – PPGCTI e Professor do Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais – DACS da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Co-Apresentador do Programa Observador Político na TV Mossoró e FM Resistência (93FM). Membro da Câmara Técnica de CVLIS da SESED. Autor de “Atrás das Grades: habitus e redes sociais no sistema prisional”, entre outros.