Thadeu Brandão – Mossoró e a violência homicida juvenil

Por Thadeu Brandão.

Mossoró vem apresentando, ao menos desde 2008, uma escalada no número de homicídios que vem assustando seus moradores e observadores. A mídia local vem também mostrando o aumento vertiginoso das taxas de homicídios da cidade. Nos últimos três anos, até o dia 4 de novembro, o quadro se agrava: em 2014 tinha-se chegado ao0s 162 óbitos; em 2015, 134; em 2016 grande crescimento chegava-se aos 190. Atingimos ontem os 201 homicídios (no momento em que escrevo, chegamos aos 202 CVLIs…).
A dinâmica de homicídios (estatística) aumenta e diminui ano após ano sem, no entanto, mudar o quadro geral. Enquanto cidade de porte médio, Mossoró segue a mesma dinâmica de cidades côngeneres como Campina Grande (PB) ou Crato (CE), por exemplo.
Os bairros mais afetados pela dinâmica homicida são aqueles com maior caracterização de segregação sócio-espacial, ou seja, os periféricos: Santo Antônio, Abolições, Aeroporto (Quixabeirinha), Alto de São Manoel, Belo Horizonte, entre outros. A distribuição espacial é periférica e contribuir com o preconceito e a marcante falta de políticas públicas e de segurança nessas áreas.
Citar a violência homicida como ponto focal e, insistir nela, tem um motivo: as estatísticas das demais formas de violência são rarefeitas e entram em uma gigantesca “mancha negra” que, embora sirva para o trabalho policial, prejudica por demais, a análise científica. Seguindo parte da metodologia do OBVIO RN, usar a taxa de homicídios é um indicador, não o único, para uma medição do grau de violência que nos assola. Mas, a quem diretamente?
Conforme aponta a grande “mídia” e seus vulgarizadores nas redes sociais, o volume maior de casos de violência que chegam à população são os casos de crimes contra o patrimônio (roubos, assaltos, furtos, etc), assim como o tráfico de drogas ilícitas. Contra este a população clama mais presença policial, ostensivamente. Ao olhar para os crimes contra a vida, porém, o quadro é bárbaro e, infelizmente, negligenciado. Afinal, o perfil (estatístico) da vítima de homicídio permanece inalterado: jovem, negro ou pardo, morador de periferia, pobre, desempregado ou subempregado. Sem investigação formal conclusiva (inquérito policial terminado) é apontado como “envolvido com o tráfico”. Eis a tônica.
Uma parte significativa destas mortes (de 40 a 50%, dependendo do ano em questão) é “desconhecida”. São execuções, com arma de fogo potente (pistola, em geral) que seguem uma mesma dinâmica. O vácuo
é exemplar: mata-se impunemente, ou quase isso; mata-se um tipo (ideal tipo weberiano) específico de sujeito e quase sempre da mesma forma.
Numa perversa gramática social da desigualdade, criamos um subcidadão que possui o “direito” (invertido) de ser morto. Justificamos, inclusive, seu desaparecimento, alegando que “se meteu com o crime porque quis”. Nascido criminoso, numa retomada lombrosiana do neo-pseudo-racismo, o jovem pobre e negro é vítima de um holocausto por que “merece”. Faltando-lhe escola, oportunidade, apoio
familiar e presença do Estado, este chega no seu derradeiro momento: executando-o, formal ou informalmente.
Para se ter uma idéia de como essa gramática é social, em Mossoró, os bairros centrais estão quase livres deste “mal”: Centro, Nova Betânia e alhures. O “Corredor Cultural” e seu entorno é tão pacificado quanto qualquer cidadezinha canadense. Isso em termos de homicídios, é claro. Roubos à residências e outras
formas de crimes são comuns na área mais economicamente privilegiada da cidade. Diferentemente de outras regiões, porém, os homicídios são raramente registrados e, quando o são, fogem do “padrão” de motivações sempre apontados e o perfil da vítima, não se enquadra no tipo geral.
Apresentam partes de população mais carente, além do perfil básico da vítima homicida, que segue o que ocorre no restante do Brasil: homens jovens, negros/pardos, moradores de periferias e com baixa escolaridade. A maior parte dos homicídios, não solucionados, são creditados ao “tráfico de drogas”. A maior parte tem perfil de execução ou vingança.

 

 

Sendo o quadro esboçado uma realidade nacional, importa lembrar que o Brasil vivencia, há pelo menos três décadas um duro cotidiano de riscos e incertezas. Nossa “modernidade tardia” caracterizar-se-ia pela reprodução estrutural da exclusão social e pela disseminação das violências, com a consequente ruptura de laços sociais e a exclusão de várias categorias sociais, como a juventude, uma das grandes vítimas desse processo. Aqui,
nesses rincões, o jovem relaciona-se com a violência de modo ambivalente: ora torna-se vítima, ora surge como agressor. 

 
 
 
Fundamental frisar que os jovens vivenciam um processo de transição para a vida adulta, cada vez mais tardio em nosso momento civilizatório, quando então sua agressividade (pulsão) tem o caráter positivo de habilitá-los a se autonomizarem e a ocuparem um lugar no espaço social. Isto posto, uma das características marcantes nos adolescentes atuais é a incerteza do emprego, assim como o exercício e a vivência da agressividade e da violência. Num mundo de incertezas e de fragmentações, a violência surge como discurso, deveras autônomo.
 
Os dados de homicídios das últimas três décadas mostra uma tendência de generalização da violência. Considerando todo o período de 1980 a 2012, houve um continuado aumento das mortes de jovens e adultos jovens, sobretudo do sexo masculino, por causas externas (homicídios, suicídios, mortes no trânsito). Há uma sobremortalidade masculina e juvenil como apontado. Marcadamente permeado pelo uso de armas de fogo na maioria dos casos.
 
 
Vivemos um verdadeiro “genocídio” juvenil: jovens, negros/pardos, pobres, com baixa escolaridade e moradores de periferias. O perfil pouco muda e se altera nessas três décadas. Da faixa de 16 a 24 anos, o grosso das vítimas vai se consumindo. Quanto aos perpetradores, este quase que também pode ser considerado o perfil. O problema é que nossos homicídios são poucos investigados (em relação ao seu número total e à desestrutura absurda que o tripé: polícia-justiça-sistema prisional vivenciam).  Esse vácuo analítico custa caro ao Brasil e ao seu futuro. Em Mossoró, banalizou-se a morte e a violência.

Sobra o discurso vazio e violentamente simbólico do: “morreu porque estava envolvido”.

Morre a civilização e vive a barbárie. Até quando?