Thadeu Brandão – Democracia em recessão

Muitos analistas estão vendo no plebiscito realizado no Reino Unido e sua saída, a posteriori, da União Europeia, como um sintoma de crise da democracia. Particularmente, vejo muito mais essa saída como uma reação local à crise de imigração e à uma profunda crise econômica e estrutural, em matéria de empregabilidade e manutenção de renda e status quo, que atinge duramente os países que antes viveram sob a égide o Estado de bem-estar social.

Não significa, porém, que não estejamos em uma crise de nosso modelo de democracia liberal, construído ao longo do século XX, principalmente após a II Guerra Mundial (1939-1945). Essa crise se estabelece principalmente na confiança coletiva da capacidade da democracia de manter a dupla governo eficaz e crescimento econômico. A rejeição dos partidos políticos e das lideranças tradicionais advém daí: não é uma desconfiança do fato de serem “corruptos”, etc., mas do fato indelével que que, cada vez mais, as promessas realizadas não conseguem ser cumpridas. Frustrações, mais que qualquer crise, gera insatisfações e revoltas.

As pessoas hoje parecem querer mudanças na forma de participação efetiva no processo político e decisório, embora, numa era “líquida” da Modernidade, exista um grave esvaziamento do espaço público em detrimento do privado. Boa e considerável parte da participação política está se dando na esfera “virtual”, no espaço “opinioso” das redes sociais (networks). Não à toa, as reações emocionais, a curiosidade da intimidade e sua superexposição (de figuras públicas, assim como das anônimas), tornam-se a tônica desse novo modo de inserção na esfera pública.

No afã de exigir mudanças, essas mesmas pessoas que apenas participam peremptoriamente da vida pública através de um “clique” ou de uma “curtida” ou “retwittada”, terminam votando ou decidindo por mudanças que vão contra seus próprios interesses. Uma insatisfação política que pode levar a mais polarização política e a mais radicalismo, principalmente aquele mais populista e ultraconservador, como temos visto na Europa ou mesmo na ascensão de Trump nos EUA.

Não consigo deixar de pensar no que nos disse Zygmunt Bauman acerca da “Modernidade Líquida” que sempre queremos o melhor dos dois mundos: segurança e liberdade. Mas, na realidade, essas duas esferas estão sempre em graus diametralmente opostas: ou se tem muito uma e pouco outra, ou vice-versa. A história está aí para mostrar. A crise do Estado-nação, cada vez mais perceptível na hecatombe dos governos em sua incapacidade de gerir está atrelada também à crise da falácia do Mercado, que também apenas agudiza os choques e as tensões. Vivemos um “interregno” cujo final ainda não temos ideia de qual será.

No Brasil, a atual mudança de governo ocorreu neste contexto de crise da democracia e sem ouvir, de fato, as ruas. As jornadas de junho de 2013, as mais importantes dos últimos anos não foram ouvidas. Sem participação de partidos e de lideranças políticas (ao contrário do “Fora Dilma”, com visível conotação partidária, mas sem negar, obviamente sua legitimidade), as jornadas de junho são a lembrança de que a insatisfação pelo que aí está ainda permanece e, fatalmente, ainda irá explodir. Mesmo sem querer Temer, a população aceitou o novo governo, mais para ver se o “pior que estava não fica”? Talvez.

Precisamos de um novo paradigma de democracia. A nossa, representativa e pautada em partidos tradicionais (oligarquias, como bem pensou a Teoria das Elites), está esgotado. O que há de substituir ainda é incerto. Mas, a sinalização de guinadas conservadoras mostram que estamos caminhando para o vértice: “mais segurança e menos liberdade”. Seja lá como isso vai se efetivar na prática.