Thadeu Brandão – A Páscoa (Pessach) e seus sentidos

O que chamamos de Páscoa tem suas origens na Páscoa judaica que os judeus chamam de Pessach. Para eles, é o momento de comemorar a sua liberdade, uma vida nova fora do cativeiro de quatrocentos anos no Egito.

É o momento de saudar Moisés, o fundador de sua fé e, de certa maneira, de sua nação. Os judeus comemoram o Pessah comendo pão ázimo, sem fermento, para relembrar a pressa com que saíram do Egito. Comem com este mesmo pão uma geléia de ervas amargas para relembrar o amargor da escravidão. Brindam com vinho e orações essa festa que celebra a sua aliança com o seu Deus, que depois também viria a ser o Deus dos cristãos. Isto porque, Cristo era judeu e, quando estava na iminência de ser entregue e “abraçando livremente sua paixão”, ele e seus discípulos ceavam uma Pessah, ou seja, uma páscoa judaica. Daí a presença do pão e do vinho em sua mesa. Alimentos que se tornariam mais tarde a simbologia de sua presença, a Eucaristia.

Quando Jesus é entregue aos romanos e é crucificado, o Pessah já havia se encerrado. Três dias após a sua morte ele ressuscita e aí temos uma nova Páscoa. Agora a fuga que o cristão deve relembrar não é mais a fuga do Egito, mas a fuga do pecado. A nova aliança que seria celebrada todos os anos na Páscoa cristã era para simbolizar a ressurreição de Jesus e com ela, a esperança da ressurreição de todos os cristãos.

O leitor deverá estar se perguntando, e o ovo? Bem, a presença do ovo é antiga nas duas tradições. O ovo cozido, símbolo de vida nova é servido ainda na Pessah judaica e, na Igreja Ortodoxa Grega ainda o é servido na páscoa. Antigamente, escreveu o mestre Luís da Câmara Cascudo, a Páscoa era celebrada como uma grande festa onde o centro era a devoção do Domingo de Ramos, da Quinta-feira da procissão dos Passos, do Cristo Crucificado na Sexta-Feira Santa eclodindo no Sábado de Aleluia e no Domingo de Páscoa:

“Sábado, as alegrias da morte vencida, logo que os sinos bimbalhavam, rompia-se aleluia, gritando os meninos pelas ruas: ‘Aleluia! Aleluia. Carne no prato! Farinha na cuia!’ Era a queima dos Judas, pendurados nas árvores. (…) Rasgavam-no ou ateavam fogo, gritando de pura sublimação religiosa em vingar o sofrimento de Nosso Senhor (…) No Domingo da Ressurreição, ia-se de madrugada para a Matriz e ninguém deixava de arrepiar-se de alegria quando o padre cantava, tremendo de emoção, gloria in excelsis Deo, e as campainhas, sinos e foguetões enchiam de rumores a cidade” (História da Cidade do Natal, 1999, p. 118-119).

Era um tempo onde não haviam chocolates e coelhos pondo ovos, mas sobravam sociabilidade e devoção popular. A Páscoa era comemorada como uma festa eminentemente do povo onde todos os aspectos eram cheios de uma, ousamos dizer, profanidade-sagrada.

Hoje, sofremos uma forte influência anglo-européia onde os valores da Páscoa são reduzidos ao consumo de ovos e coelhinhos de chocolate. O consumismo exacerbado toma conta de nossos lares transformando a idéia de mudança e vida nova em meros presentes comestíveis. Os valores da mais importante festa judaico-cristã devem ser repensados como forma de retomarmos os princípios do estar-juntos, da solidariedade e da caridade que estão tão presentes nesses dois momentos.

Shalom Pessach!

Feliz Páscoa!