Rogério Cruz: Crise e política econômica na atualidade

Queda na produção e nos serviços. Desemprego. Demanda em queda. Perdas generalizadas. Má gestão da política econômica. Esses foram alguns dos termos lembrados por estudantes do curso de economia da UFRN para caracterizar e/ou definir uma crise econômica, que, neste segundo semestre de 2016, está direta ou indiretamente presente em nosso cotidiano.

Afinal, aqueles termos e/ou conceituações – inicialmente mencionados pelos estudantes – definem uma crise econômica? Ou seriam apenas efeitos de sua existência?

O presente texto pretende refletir sobre crise econômica, com o objetivo de difundir um tipo de conhecimento que, em geral, fica retido na Universidade. Até porque o que se divulga acerca desse tema, salvo raras exceções, nem sempre é resultado de algum tipo de reflexão teórica. Este fato, por si só, tende a gerar um entendimento equivocado que, desse modo, mais atrapalha do que ajuda aos nossos leitores.

Desse modo, a fim de pensarmos juntos sobre o tema, propomos a hipótese de que, a vida humana, na sociedade em que vivemos, na atualidade, é marcada por trocas que são realizadas por indivíduos e por empresas. Elas existem porque buscam atender às necessidades humanas. E, envolvem, de um lado, dinheiro; e, de outro, mercadorias e/ou serviços que geram um processo de compra e de venda e que caracteriza a existência do mercado.

Quer dizer, o mercado é uma instância da sociedade em que circula a riqueza gerada numa dada economia e que, tudo indica, visa atender às mais variadas demandas das pessoas que fazem parte dela.

Assim, quando compra e venda estão ativos, pode-se dizer que a economia de mercado tende a estar ativa e/ou em crescimento. Caso contrário, a economia está em retração, ou ainda, vive uma recessão econômica.

Neste último caso pode-se dizer que poderá ocorrer uma paralização mais ou menos intensa, que ocorre por mais ou por menos tempo. Daí, pois, a definição aqui proposta de que crise é uma interrupção no processo de compra e de venda que varia no tempo, no espaço e, mais, incide diferentemente sobre os distintos tipos de atores – econômicos e sociais.

A título de exemplo suponha que um dado indivíduo ou uma determinada empresa faça uma compra de uma determinada mercadoria com a expectativa de poder produzir algo e vende-la, num dado tempo futuro. Todavia, isso pode não necessariamente vir a ocorrer, de tal modo que, esse indivíduo ou essa empresa não possam obter renda esperada para honrar seus compromissos oriundos de uma compra passada que condicionou o surgimento desse tipo de produção.

Então, o que o empresário deve e/ou pode fazer? Adiar o pagamento? Tomar um empréstimo atual para honrar um compromisso passado? Qual é o risco desse tipo de decisão dar ou não certo?

Em tese, essa decisão envolve necessariamente uma escolha, em tese, dentre várias. Então, independentemente da decisão que venha a ser tomada – e/ou da racionalidade econômica existente nessa decisão -, poder-se-á pensar que, na economia como um todo, a possibilidade de ocorrência de uma retração nos níveis de trocas é bastante provável e/ou factível. Ou seja, numa fase de crise econômica, pode ocorrer de um indivíduo vir a postergar uma compra, ou, um empresário que decide desempregar; enfim, há uma série de decisões individualizadas numa economia que apontam para a existência de uma interrupção parcial nos níveis de trocas, observada em toda a economia.

E, na medida em que essa prática de retração das trocas se torna uma tendência, daí resulta uma retração geral nos lucros, nos salários, nos juros, nos aluguéis, enfim, na renda de vários segmentos sociais. Ou, no caso limite, na renda nacional. E, dessa condição, tende a ocorrer uma redução na qualidade de vida das pessoas. Logo, a ocorrência de uma crise gera consequências nefastas, tanto econômicas, quanto sociais.

Assim, uma vez deflagrada a crise, os estoques tendem a aumentar porque a demanda tendeu a diminuir. E, a partir daí a economia reduz seu dinamismo. Ou seja, primeiro há uma superprodução que não se escoa. Em seguida, e, por essa razão, a produção seguinte começa a se retrair.

Todavia, somente esta segunda face da crise é divulgada ao senso comum, ao se tentar “explicar” o que vem a ser uma crise econômica. Portanto, via de regra, tem-se a divulgação de uma visão parcial e reduzida de um problema evidentemente muito mais amplo e complexo, seja em sua caracterização, seja em suas consequências.

Então, a partir do momento em que começam a aumentar os estoques, o que ocorreu com a riqueza existente até então? Teria evaporado?

Não. Está principalmente sob a forma dinheiro e sob comando predominante de capitalistas, que veem sua riqueza sem movimento, ou seja, sem expectativas de reprodução, que é uma necessidade imperiosa em nossa sociedade. Mas, é uma riqueza que está pronta para voltar a circular, que poderá voltar a especular com ganhos futuros, e que, para tanto, pressiona para se reproduzir.

Nesta condição, ao crescer a oferta de dinheiro, tenderá a cair o seu preço (o juro). Todavia, tal como ocorre na realidade, esses credores alegam escassez geral de dinheiro na economia (o que não é verdade) numa tentativa de justificar que seu produto está caro – isto é, tentam manter elevados os níveis de juros a serem cobrados em empréstimos. Assim, pelo poder político que detém, podem, e em geral influenciam a formação de políticas governamentais que propõem elevar os juros: sob a alegação de se combater a inflação e/ou a fase de recessão vivida pela economia.

Ora, entendendo-se que dinheiro é uma mercadoria de venda para o banqueiro e mercadoria de compra para indivíduos e empresas em geral, então, uma elevação de juros significa, tanto elevação de custos empresariais, quanto redução do poder de compra e, portanto, dos gastos das famílias. Ao mesmo tempo, supondo-se uma baixa taxa de inadimplência, os ganhos são auferidos por ofertantes de dinheiro (banqueiros, por exemplo).

Logo, mesmo numa fase de recessão, podem existir políticas que podem agravá-la, sob a alegação de que, dessa maneira, poderão reverter o problema original, ao proporem redução dos gastos em geral. Esta redução que ora está sendo proposta, tudo indica, deve sufocar ainda mais as empresas, que, em sua maioria, estão endividadas.

Quer dizer, em face da forma como está proposta a atual política econômica, não se tem como não esperar por tempos muitos difíceis, até porque é um tipo de orientação que se volta para alimentar os ganhos de uns poucos (donos do dinheiro que auferem renda variável e crescente) em detrimento da população em geral (que recebe renda fixa e decrescente em termos reais).

Rogério Cruz é doutor em Desenvolvimento Econômico Unicamp e Professor da UFRN.