Raimundo Carlyle – O Dilema de Alcaçuz

Raimundo Carlyle, Juiz de Direito, TJRN.

Diante da notória falência do sistema penitenciário brasileiro, deve-se atentar, ainda uma vez, para o tema da correta aplicação da Lei de Execução Penal (LEP), materializada no texto legislativo nº 7.210, de 11.7.1984.

A execução penal tem dois objetivos claros e precisos: a) efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal; e, b) proporcionar as condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (art. 1º, LEP), via proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor (criminoso) à sociedade.

Assim, quando o sistema carcerário nega ao apenado qualquer dos seus direitos contraria a Lei de Execução Penal, fazendo-se necessária a imediata intervenção do Judiciário. Se o objetivo da lei penal é tutelar o bem jurídico ofendido pelo criminoso, através da execução da pena imposta após o devido processo legal (repressão e prevenção), visa, também, à sua reinserção no meio social.

O preso, o apenado, o condenado, é pessoa humana, por mais hedionda que tenha sido a sua conduta, merecendo do Estado a proteção preconizada pela Lei de Execução Penal, evitando-se qualquer tipo de exclusão não prevista na LEP.   

O cárcere é doloroso, porém necessário. Todavia, não podem os responsáveis pela execução penal ser mais rigorosos do que a própria lei, por mais que a sociedade o exija! A aplicação da pena visa reprimir e prevenir o crime (art. 59, CP), não infringir maus-tratos físicos ou psicológicos ao apenado. 

Cercear direitos dos detentos como forma de “vingança social” não impedirá que eles cometam novos delitos, dentro e fora dos muros dos presídios. Mas, isso não significa que “facções” compostas por detentos possam manter em seu poder armas, drogas, aparelhos de telefonia celular – para comandar ações criminosas dentro e fora dos presídios -, sendo dever do Estado reprimir tais ilícitos carcerários.

O infrator da norma, da conduta social, deverá ser punido e a punição executada, porém com o devido respeito à dignidade da pessoa humana preconizado no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal (“- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”). A pena é necessária, mas não será através dela que a sociedade “se vingará” do criminoso.

O preceito constitucional é repetido no artigo 40 da Lei nº 7.210/84: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.” Repita-se, por oportuno. Por mais hedionda que tenha sido a conduta do condenado, a ele é destinado um conjunto de garantias constitucionais e legais que não pode ser vilipendiado pelo desejo de tornar o que já é rigoroso mais rigoroso ainda, sob pena de se cair na vala comum do abuso de autoridade, passível de responsabilização civil, criminal e administrativa.

No momento em que todo o país discute o sistema penitenciário, criticando as suas deficiências, e há uma nítida tendência à descarcerização dos condenados por crimes não graves ou hediondos, não se pode admitir infringências à LEP. Os direitos dos detentos, desde que não comprometam a correta execução da pena, são inalienáveis, diretamente vinculados ao respeito à dignidade da pessoa humana, e, se constrangidos, deverão ser imediatamente salvaguardados.

O dilema de Alcaçuz reside no fato de que os próprios detentos menosprezaram a condição humana ao se tornarem “feras”, lobos comendo lobos, dentro dos muros da penitenciária estatal, sendo exigida uma conduta complexa das autoridades carcerárias, resumida em dois pontos: (a) impedir a bárbara matança e (b) evitar as fugas. Infelizmente, o caminho será o da força bruta – autorizada em tais casos – para conter ambos os aspectos (a barbárie e a fuga).

Também não deve ser desprezada a possibilidade de intermediação por entidades como a OAB e a pastoral carcerária para evitar o confronto entre as forças policiais e os detentos, agilizando a realização das obras necessárias para tornar a unidade carcerária novamente utilizável, sob pena de fugas que tornarão o cotidiano da população um verdadeiro inferno.

Alcaçuz seguirá sendo um dilema enquanto novas unidades penitenciárias não forem construídas no RN.