Mulheres fantásticas (II): A Mulher Sapo – Clauder Arcanjo

— Não queria nem lhe contar esta história, amigo Felismino. A coisa até depõe contra mim, sabe? Vai contra os meus preceitos, princípios…, sei lá!, de homem crente e temente a Deus. Mas…

— Calma! Amigo é para essas coisas. Somos ou não somos amigos, Florisvaldo?

Um mexer de mãos nervosas, um esticar de pescoço, fora tudo que o Florisvaldo, filho de Dona Camélia da Conceição, conseguiu emitir como resposta. Como se um nó lhe prendesse a fala, como se o corpo sofresse uma tortura insuportável.

De repente, ele aproximou a cadeira um pouco mais da mesa, e fez sinal para o amigo mais se encostar.

— E olhe que, de início, eu negava tudo. Como se negando… a coisa não se tornasse verdade.

Coçou os olhos, os lábios a tremerem, e, num esforço a mais, continuou:

— E a coisa não falha, Felismino. Toda a noite a mesma cena… quase no horário do jornal. Tomo meu banho, janto e… nada dela entrar. No horário das notícias, a cena…

— Calma, amigo, contenha-se. Estou aqui para lhe ajudar. Não deixe os nervos tomarem o domínio da razão. Seja forte! — mal pronunciou tais palavras, Felismino notou que o amigo espichou o olho na direção da tevê.

— O problema é que não posso conversar com ninguém lá de casa. Vão logo todos me chamarem de louco. Em especial, meus pais. Eles não queriam o nosso casamento, você sabe. Parece até que estou ouvindo a cantilena, caso eu lhes revelasse: “Não foi por falta de aviso. Daquela família, meu filho, não sai nada de bom. Somente cobras e lagartos. Agora, a coisa resvala no seio da nossa. Por falta de aviso não foi. Isso, não!… ” —  e Florisvaldo caiu num choro miúdo, contido, como se com receio de que a sua mágoa fosse ouvida na saleta da frente. Sim, pois estavam na copa.

 

***

 

Enquanto Florisvaldo se enchia de dedos para revelar a causa do seu infortúnio, a televisão, em volume acima do normal, enchia todo o ambiente com o som dos diálogos da trama da novela das sete.

Felismino deixou a mente vagar a sabor das lembranças, e a cena do casamento do jovem amigo com a Mafalda Temístocles invadiu-lhe rápido a memória. Uma festa grande para os dela, e cercada de reservas para os membros do clã dos Conceição.

“Oito anos e nenhum filho!” Não sabia bem por que aquela constatação agora.

 

***

 

— Amigo, você tem que ir. Tudo acontece no início do jornal da noite. Mal o noticiário começa, dá-se a trans…

Nisto, a voz do apresentador: “Hoje, devido ao jogo da seleção, iniciaremos mais cedo o Jornal Nacional…”

— Meu Deus! — gritou Florisvaldo da Conceição. — Por favor, por toda a nossa amizade, Felismino, feche os olhos, meu amigo.

Um coaxar de sapo foi ouvido. Forte, na saleta da frente.

Ao se voltar, Felismino viu um sapão enorme pulando na direção do quarto do casal, enquanto o seu amigo, abaixado, com a voz mansa e delicada, orientava o batráquio:

— Devagar, minha filhinha.

Eles sumiram pelo corredor adentro, enquanto a mente de Felismino circunvagava, incrédula.

Com pouco, Florisvaldo retornou, e o silêncio ficou entre eles, como uma massa densa e difícil de ser removida.

Felismino levantou-se e saiu, como se querendo respirar um pouco de ar puro depois daquela surpresa. Quando chegou ao portão, Florisvaldo pôs-lhe a mão no ombro, como se a pedir-lhe alguns minutos:

— Não queria lhe contar tal história, Felismino. Até depõe contra mim. Vai contra os meus princípios de homem temente a Deus. Mas, não posso abandoná-la… eu a amo, mesmo assim.

 

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]