MULHERES FANTÁSTICAS – Clauder Arcanjo

A Mulher Galinha

— Minha vida não tem sido fácil, compadre. Não, não tem sido… Silêncio, ela vem vindo da feira.

— Oi, minha filha, quer ajuda?

— E você ajuda ninguém, seu…? Oi, compadre Cícero! Não tinha visto o senhor. Como vai a comadre Auxiliadora? E os meninos? Soube que Gustavinho, nosso afilhado, está se revelando um bom músico. É verdade?

— Bom dia, comadre Maroca. Sim, parece que o menino puxou a veia artística do Bastião, seu avô materno, anda sempre agarrado com a sanfona. Bem, eu estava aqui a prosear com o compadre Gumercindo. Fazia dias que eu não aparecia, porque Auxiliadora andou sofrendo com uma enxaqueca daquelas. Não me deixou sair de casa, trancada no quarto escuro, sempre a me pedir chás e atenção.

— Marido bom, compadre, é assim mesmo! E não… — mal proferiu tais palavras, Maroca jogou as coisas da feira sobre a mesa da cozinha, não sem antes lançar um olhar de fúria sobre o esposo.

Gumercindo enfiou os olhos no piso, a catar escolhos invisíveis. O silêncio tangeu a conversa para longe, e os compadres se despediram, mais com gestos de que com palavreado.

— Volte sempre, compadre, a casa é sua! — arrematou Maroca, quando os dois amigos já se encontravam no portão da rua.

— Viu? Não tem sido fácil, compadre. Não, não tem sido…

— De noite, no bar do Edir, quero continuar nossa prosa. Depois da novena.

— Sim, vou ver se escapo. Até lá.

 

***

 

— Ela, de noite, se deita, faz um ninho na cama. Antes me bota para fora do quarto. Vou dormir na sala. Todas as noites. Quando o dia amanhece, compadre Cícero, lá está ele, entre os nossos lençóis: redondo, branco… um ovo.

— Mas, compadre, um ovo? — inquietou-se Cícero.

— Eu, nas primeiras vezes, pensava que fosse alguma mania dela. Sei lá, dormir com um entre os lençóis. Depois, Cícero, dei para perceber que não. Toda manhã era um ovo novo. E, o pior, depois de um certo tempo, a danada da mulher ficou choca. Você sabe como é uma galinha choca, não sabe? — ao falar, uma lágrima escorreu na face trêmula. — Meu sofrimento, compadre, tem sido grande. Ninguém desconfia de nada, guardo tal segredo, tudo, tudo, aqui no meu peito.

— Ô, meu compadre!

— E haja malquerença sobre mim, palavrões, achincalhes, sem falar nas surras. Com cabo de vassoura, com a tranca da porta, com a bolsa. Enfim, com tudo que ela vê nas mãos.

— Ô, meu compadre!

— Minha vida não tem sido fácil, compadre. Não, não tem sido…

— Ô, meu compadre, pensando aqui comigo, sabe, vou lhe dar um conselho. Chegue aqui para mais perto — e Cícero lhe soprou algo ao pé do ouvido.

Pagaram as pingas e saíram.

 

***

 

No outro dia, logo cedo na Pedra do Mercado, os comentários em Licânia é que a alvorada foi anunciada por Gumercindo. No alto da tamarineira, na frente da sua casa.

— Dizem que, em seguida, ele desceu, ciscou e cacarejou no jardim da casa; para, logo depois, entrar no quarto, quebrando o choco de Maroca a cantar de galo.

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]