Marcos Bersam – Quando a boca entra de greve

Como você tem beijado?

Apesar de ter sempre ouvido que a greve tradicional não surte tanto efeito como em tempos áureos, definitivamente, você, não entendia o que tinha acontecido com sua boca; assim divorciada das emoções, desconexa do corpo, entrincheirada no tédio, claro, na hora decisiva deixava você na mão.

O problema maior era que tal greve não tinha mais uma pauta de reinvindicações emocionais, de certa forma ela começou a pensar que não tinha direitos assegurados pela constituição do desejo. Sem saber qual sindicato à representava, que categoria pertencia, assim não conseguia sentar na mesa de negociação, ou melhor, na cama, para fazer uma contraproposta. Sem saber ao certo o que acontecia e mesmo com a sensação de estar perdida, parece que o motim tinha espalhado pela fábrica dos sentimentos.

Então, em meio a um silêncio e imobilismo cortante, a boca do seu parceiro ficava também paralisada, num misto de espanto você ficava atônita, pois a linha de produção não conseguia mais produzir beijos.

Observando um pouco mais atentamente parecia que a boca era apenas o reflexo de outras coisas que também estavam em greve, não era só o beijo que não acontecia, quando ele teimava em dar as caras acontecia depois do café da manhã na pressa para ir trabalhar.

De forma medíocre, com gosto de margarina você sentia saudade do gosto da saliva. Ah! Como você sentia saudades daquele tempo que você sabia beijar, embora não tenha tido muito tempo quando você era uma excelente beijoqueira. Atualmente, você fica em dúvida se sabe ainda beijar.

A greve da boca e dos beijos não ficou apenas restrita aos momentos de intimidades, quando menos esperava o diálogo tinha saído de cena, as caricias e elogios escasseavam na pressa do dia à dia. O afeto parecia ter tirado férias sem te avisar. O beijo não tinha espaço na agenda, pois para beijar precisava de pausa, ou seja, o beijo é o melhor pretexto para ancorar o presente – no aqui e agora, por fim trapacear o tempo.

O fechar dos olhos é apenas o ritual para o beijo suplicar a gratidão de estar vivo, numa espécie de oportunidade de imobilizar o universo. Os amantes sempre querem parar o tempo, como não conseguem fecham os olhos para não serem testemunhas de que o mundo continua a girar lá fora.

No entanto, a tv pendurada no quarto, o inferno do celular ao lado do travesseiro, onde acendiam luzes em faces entristecidas pelo apagar da chama da paixão.

O beijo não podia acontecer na alcova que, nos últimos tempos, tinha se tornado uma repartição pública enfadonha, logo a boca tinha que ir para cama e contentar-se com o analgésico pastoso, em forma, do creme dental de menta.

 

Marcos Bersam é Psicólogo clínico

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