Luta contra barras bravas na Argentina é mais complexa do que parece

O ano de 2018 terminou em fiasco para o futebol da Argentina, com a mudança de local da final da Taça Libertadores, entre River Plate e Boca Juniors, de Buenos Aires para Madri, e o de 2019 começou com cerca de 700 pessoas proibidas de entrarem nos estádios do país.

Trata-se de um ano eleitoral, e o governo do presidente Mauricio Macri acredita que acabou com um “sistema perverso”, mas outras vozes alertam para uma possível arbitrariedade em algumas proibições.

O diretor nacional de Segurança em Espetáculos Futebolísticos, Guillermo Madero, afirmou à Agência Efe que a melhora de cenário passa pela aprovação de uma lei apresentada pelo governo que, para ele, “acaba com as barras bravas” ao tipificá-las como grupo criminoso.

“Aqui se vivia um sistema perverso que era movido por grupos, que era estimulado por eles e dirigentes, policiais… Controlavam tudo”, denunciou Madero ao comentar sobre o programa Arquibancada Segura.

Em um quadro colocado em seu escritório, o diretor tem anotado permanentemente os números do Arquibancada Segura desde que começou a ser aplicada a principal ação do programa, o controle de identidade nos estádios.

No acumulado desde o começo da iniciativa, em 2016, foram determinadas cerca de 5 mil proibições de entrada em estádios e realizadas 521 capturas de pessoas procuradas pela justiça.

Na última sexta-feira, foi oficializado o direito de admissão de 102 supostos radicais do Boca Juniors, e Madero revelou que a proibição será estendida a outros 168 torcedores ‘xeneizes’.

As eleições presidenciais acontecerão em outubro, e o diretor considera que uma mudança no governo seria “um grande retrocesso”. Ele defende, além disso, que para “mudar de paradigma” foi necessário enfrentar resistências nas diretorias de clubes, que afirmavam que os torcedores radicais os ameaçavam, inclusive com uma suposta conivência das forças de segurança e funcionários do governo.

Na final da última Libertadores, o jogo de volta não aconteceu no Monumental de Nuñez porque torcedores do River atacaram o ônibus que levava a delegação do Boca para o estádio, ferindo alguns jogadores e o motorista.

“No aspecto pessoal, me senti muito mal, porque o trabalho de três anos parecia ruir de repente”, reconheceu.

Porém, ele defendeu que o Arquibancada Segura funcionou muito bem mesmo no dia da decisçao que não aconteceu, porque serviu para descobrir um sistema de revenda de ingressos que levou à proibição de 284 pessoas – todas do Borrachos del Tablón, organizada do River – de entrarem em estádios argentinos.

No processo judicial aberto em relação a este caso, dirigentes do tetracampeão continental são investigados, em um país onde é habitual que a cúpula dos grandes clubes esteja em conluio com governantes e o poder judicial.

“É muito importante que a outra parte fique exposta, que caia quem tiver de cair”, destacou Mercado.

O sociólogo Diego Murzi, vice-presidente da ONG Salvemos o Futebol (SAF), declarou que, embora desarmar a revenda seja uma boa ideia, a profundidade do problema é maior.

“Os dirigentes não dão ingressos de graça somente porque têm medo das organizadas, o que há é uma troca. São estruturas de reprodução de poder que existem e sempre se protegem entre si”, opinou Murzi, que acredita que houve alguma mudança desde a entrada do presidente Mauricio Macri, mas duvida da lei contra barras bravas apresentada.

“O desejo de tipificar as barras bravas juridicamente é impossível”, salientou o sociólogo, que considera que o direito de admissão é uma boa ideia, mas também “território fértil para a arbitrariedade”.

Murzi refere-se ao caso do presidente do clube Almirante Brown, Maximiliano Levy, uma ex-barra brava do Boca que ficou preso preventivamente por 90 dias, foi liberado sem crime provado e, mesmo assim, está proibido de entrar em estádios por um ano.

“Se essa pessoa não cometeu crime algum, estamos avançando em uma direção muito perigosa. É uma ampliação da punição, e certamente há pessoas ruins envolvidas, mas representa um precedente perigoso”, comentou.

Madero garantiu que o caso de Levy está amparado em uma legislação e citou o decreto presidencial 246/17 e a resolução 3/54 do Ministério de Segurança.

“A necessidade de tirar os barras bravas do futebol não é só um pensamento profundo de mudança cultural, é algo que pode ser colocado em prática”, afirmou o diretor nacional de Segurança em Espetáculos Futebolísticos.

Para Murzi, neste ano é provável que haja novidades, porque os diferentes órgãos de segurança no futebol “tentarão mostrar serviço” antes das eleições na Argentina, onde, segundo dados da SAF, a violência no futebol causou 92 mortes nos últimos dez anos.

Pablo Ramón Ochoa.

 Agência EFE