Lembra de mim?

Escrevi certa vez sobre a dificuldade que tenho de memorizar nomes próprios – e fisionomias também, mas em menor proporção. Não raro, entro em terríveis saias justas quando encontro pessoas das quais até recordo, sem, contudo, a generosidade estratégica dos “detalhes”.

Para agravar as consequências da leseira crônica que me habita desde menino, não sei mentir, o que, em determinadas situações, pode ser defeito tão ou mais terrível quanto essa amnésia. Se alguém faz a sacanagem de perguntar “lembra de mim?”, respondo a verdade. Na lata!

Sou sincero. Há cerca de 10 anos, possuí um carro velho que dava o prego de metro a metro. O bicho enganava bem, era bonito, parrudo e tinha charmoso sotaque russo. Por isso, atraiu muitos compradores no instante em que abdiquei do masoquismo, anunciando sua venda.

Todo mundo pegava bandeira. O problema é que, ao indagar sobre manutenção, consumo, desempenho, a resposta era objetiva: “Excelente para quem aprecia dor de cabeça”. Até que um doido comprou o bicho e ainda voltou, meses depois, para relatar a “felicidade” com o negócio.

Recentemente, uma jovem adicionou-me aos seus amigos do Facebook e, de cara, lançou o questionamento: “Lembra de mim?”. Cutuquei a memória, revirei os perfis da figura nas redes sociais. E necas de pitibiriba. O jeito, então, foi assumir: “Infelizmente, não. Mil perdões”.

A figura insistiu: “Vc conhece Beltrana?”. Pausa, pesquisa, neurônios em parafuso. Negativo. Aí veio a lapada: “Vc foi muito mal-educado”. Repeti as desculpas, tentei explicar, sem sucesso: “Está desculpado. Somos obrigadas a conviver com gente assim… infelizmente”.

No mesmo dia, fui a uma festa com minha mulher, que sempre me salva com a questão dos nomes. Em determinado instante, ela se afastou para cumprimentar alguém, deixando-me à mercê desta memória lascada, ocasião em que um colega se chegou com um desconhecido.

Depois de me abraçar, o tal amigo apontou para o cara ao lado e fez a pergunta cruel: “Lembra de Fulano?”. Ora, ressabiado com o carão de há pouco, falei “sim”, sem pestanejar, realçando o i e o eme, algo como “Siiiimmmm!”, na vã expectativa de evitar o constrangimento.

O sujeito, no entanto, não se fez de rogado: “Mentira! Você não me conhece nem conheço você”. Três uísques para engolir a segunda porrada, por motivos opostos da primeira, e a consciência ficou tranquila, porque, se vier a reencontrá-lo, dizer que não recordo será verdade.