Impeachment e a Nova República: reflexões de crises anunciadas. II

Do Blog de Thadeu Brandão
Atualizado às 01:10hThadeu Brandão

As mobilizações de massa, articuladas também por vários movimentos sociais e também pelos partidos políticos tomam as ruas, permitindo uma solidez maior ao pedido de impeachment por parte do Congresso. O mesmo se deu em setembro de 1992, com a saída do presidente que renunciou logo depois.

Enquanto o processo se desenrolava, importante sublinhar a construção negociada do futuro governo do vice-presidente Itamar Franco que mostrou, para a maioria dos políticos profissionais, as vantagens da aprovação do impeachment. “O governo Itamar seria, desde logo, um governo de coalizão, negociado com as direções dos partidos políticos” (SALLUM JR., 2015, p. 405). Diferentemente do que havia ocorrido na Era Collor, Itamar valorizaria o Congresso, que fora colocado à margem naquele período. E a coalizão não incluiria apenas os partidos condutores do processo de impeachment; incorporaria também aqueles, conservadores, que a ela se juntaram ao longo do processo.

Se as similitudes e divergências entre os dois processos de impeachment, no que se referem ao contexto social, político e econômico não estão latentes, cumpre a nós agora apontá-las. Primeiramente, o quadro econômico dos dois momentos históricos é bem divergente. Com Collor, o Brasil patinava num quadro de hiperinflação e queda drástica do PIB (Produto Interno Bruto), além de um cenário de crise industrial e desemprego que fechavam o ciclo da década conhecida como “perdida” (1980). No caso de Dilma, os erros macroeconômicos na condução das políticas pela presidenta não foram tão danosos quanto o apontado anteriormente, embora no comparativo com o período de crescimento do governo Lula (2003-2010), o desemprego e uma inflação anual de dois dígitos tenha sido surpreendente para uma geração que não conheceu tais mazelas quanto a que viveu as décadas pretéritas.

Em segundo lugar, há uma pertinente verossimilhança entre Dilma e Collor no que tange à sua forma de relacionamento e tratamento do Congresso Nacional. Tanto o voluntarismo político quanto certo “desprezo” no trato político marcaram os dois presidentes, seja no que tange às concessões aos partidos políticos ou mesmo quanto às definições econômicas e políticas do rumo do governo. Aliado a um quadro de desgaste econômico, esse fator foi, em minha modesta análise, o elemento mais pertinente.

Em terceiro e último lugar, a fim de não me alongar em demasia, afinal só quero provocar a discussão aqui, o ambiente cultural e político em torno da “luta contra a corrupção”, apanágio das classes médias, ampliado e absorvido por parte das novas classes trabalhadoras que emergiram no lulismo (SINGER, 2012), foi um fator não decisivo, mas fortalecedor do processo de impeachment tanto de Collor quanto no de Dilma. Embora, diferenciemos que: (1) no de Collor, o quadro de desgaste atingia o próprio presidente, diferentemente no caso de Dilma; (2) no caso desta, seu partido, o PT, é o grande alvo das acusações de corrupção e das grandes operações da justiça federal e da polícia, o que não havia (nem estrutura) no período de Collor; (3) no processo de impeachment de Collor, quase unanimidade nacional, não houve praticamente apoios ao presidente, o que, com Dilma, já é diferente face às incertezas tanto quanto a uma futura gestão Michel Temer (PMDB), tanto quanto à própria legitimidade do processo conduzido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB) acusado de corrupção e réu de vários processos; (4) o governo Itamar pôde-se formar uma ampla coalizão nacional de apoio, o que não parece que ocorrerá com o governo (futuro) Temer.

Muito ainda a se pensar e a se analisar no quadro amplo dos dois processos. Para o analista, o distanciamento do tempo é o melhor antídoto quanto à interferência das paixões e dos valores e seus juízos. As similitudes e semelhanças apontadas não esgotam o tema (e nem é aqui meu objetivo). Outros pontos podem ser elencados e, espero que o sejam debatidos até à exaustão. Neste momento de turbilhão nacional, que nossa pena seja mais útil que a espada das vivandeiras de plantão.

Thadeu de Sousa Brandão.

Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Membro Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituições – PPGCTI e Professor do Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais – DACS da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Co-Apresentador do Programa Observador Político na TV Mossoró e FM Resistência (93FM). Membro da Câmara Técnica de CVLIS da SESED. Autor de “Atrás das Grades: habitus e redes sociais no sistema prisional”, entre outros.

Obras Citadas

SALLUM JR., Brasilio. O impeachment de Fernando Collor: Sociologia de uma crise. São Paulo: Editora 34, 2015.

SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.