Homero Costa: O nepotismo na política brasileira

Desde que o presidente da República Jair Bolsonaro anunciou que o seu filho e deputado federal
Eduardo Bolsonaro seria indicado para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos o tema do nepotismo
voltou a ser discutido.

A palavra nepotismo tem origem no latim — nepos, que significa neto ou descendente. Segundo o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Nepote “é o sobrinho do sumo pontífice; conselheiro papel;
indivíduo predileto ou protegido”. Assim nepotismo é em sua origem “a autoridade exercida pelos sobrinhos
e demais parentes do papa na administração eclesiástica” (Editora Objetiva, p. 2010).

No Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio (editora UNB, 1997) nepotismo é
associado a uma forma de corrupção: trata-se de concessão de empregos ou contratos públicos baseados não
no mérito, mas nas relações de parentesco (p.292).

Essencialmente, em sua versão moderna, derivada de uma tradição cultivada por pontífices da Igreja
Católica, o termo passou a ser utilizado como expressão do favoritismo, como sinônimo de concessão de
privilégios ou cargos a parentes na administração pública, ou seja, conduta de agentes públicos em benefício
de familiares.

Assim, nepotismo acontece quando as relações de parentesco são fatores determinantes para a
nomeação de alguém para cargo ou função pública, em detrimento da sua competência e capacidade. Nesse
sentido, depõe contra os princípios republicanos e democráticos, de separações entre o público e o privado
afrontando princípios constitucionais norteadores da Administração Pública conforme a Constituição Federal
de 1988 no seu artigo 37 que diz: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Além do artigo 37 da Constituição, no dia 18 de outubro de 2005, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) publicou a Resolução nº 7 que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes,
cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento e
veda a prática do nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário.

Foi uma Resolução importante porque foi levada ao Supremo Tribunal Federal que, quase três anos
depois, em 21 de agosto de 2008, aprovou uma Súmula Vinculante – que se refere a um conjunto de
decisões de um Tribunal Superior relativos a casos que tratam de temas parecidos e que são julgados de
maneira semelhante e que tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da
Administração Pública – que estabelece que “viola a Constituição a nomeação de cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, o exercício de cargo em comissão ou de
confiança ou ainda de função gratificada na Administração Pública”.

No entanto, não se definiu se a nomeação de familiares para cargos de natureza política também se
enquadra nessa restrição. Desde então, portanto desde 2008, embora ainda não tenha havido uma decisão
colegiada, ministros do STF têm entendido que a nomeação de parentes para cargos de natureza política não
se enquadra como nepotismo. No momento ainda está no Supremo Tribunal Federal (STF) para ser votado o
mérito de um recurso, uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado
de São Paulo no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) para questionar uma lei municipal de Tupã (SP), que
passou a desconsiderar nepotismo a nomeação de parentes dos nomeantes para o cargo de agente político de
secretário municipal.

O recurso é para que se defina se a proibição do nepotismo pela súmula vinculante nº 13 alcança a
nomeação para cargos políticos. O entendimento é que a Constituição determina que agentes públicos de
qualquer nível ou hierarquia são obrigados a observar os princípios de legalidade, impessoalidade e
moralidade no desempenho de suas funções. Mas isso tem dividido o entendimento de ministros do STF.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, a prática do nepotismo vale também para cargos políticos, devendo ser
banido do ordenamento jurídico brasileiro, enquanto para o ministro Luis Roberto Barroso “em linha de
princípio, a restrição sumular não se aplica à nomeação para cargos políticos”, a mesma interpretação
defendida pelo ministro Alexandre de Moraes.

No caso específico da indicação do cargo de embaixador, a lei não estabelece que seja
necessariamente ocupado por um diplomata, embora tenha sido este o procedimento adotado pelos
sucessivos governos pós ditadura, especialmente em se tratando da relevância de uma embaixada como a dos
Estados Unidos.

Para o presidente da República, a indicação de seu filho não configura nepotismo uma vez que a
referida súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) considera nepotismo apenas nomeações de
parentes para cargos administrativos, e não para cargos políticos, como é o caso do cargo de embaixador.
O fato é que a pretendida nomeação, que ainda depende da aprovação do Senado, tem gerado
polêmicas. O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, por exemplo, afirmou que a eventual indicação é um
“péssimo exemplo” e que pode ser enquadrado como nepotismo.

Para o Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero na matéria da revista Carta
Capital afirmou que a nomeação do filho do presidente, sem carreira diplomática ou estudos de Relações
Internacionais, seria um ato sem nenhum precedente nem na nossa história, nem na de nenhum país
civilizado, democrático. (https://www.cartacapital.com.br/politica/nomeacao-de-eduardo-bolsonaro-echocante-diz-ricupero/).
Em 4 de junho de 2010, um decreto presidencial (nº 7203) vedou o nepotismo nos órgãos e entidades
da administração pública federal direta ou indireta. E ainda previa as situações em que o nepotismo é
presumido e que precisavam de uma investigação específica: “a nomeação de familiares para vagas de
atendimento a necessidade temporária de ‘excepcional dinheiro público’ é considerada situação de
nepotismo presumido”.

O tema voltou a ser discutido no Congresso Nacional em 2019. No dia 14 de agosto de 2019, a
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou uma
proposta que proíbe o nepotismo na administração pública federal. O texto trata a prática como ato
de improbidade administrativa e fixa pena de detenção de três meses a um ano para quem descumprir a regra.
No Senado foi apresentada, em julho de 2019, pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC)120/2019, que disciplina a proibição do nepotismo em toda a
administração pública. Como o tema é polêmico, a exemplo do que foi aprovado numa comissão da Câmara,
ainda tem muito que ser discutido e aprovado nas respectivas casas legislativas. No caso do Senado, por
exemplo, dois meses depois, a proposta ainda aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ).

Uma questão relevante a ser discutida é: Como compreender o nepotismo com maior alcance? A
literatura sobre o tema não é muito expressiva, especialmente no Brasil. Em 2006 foi publicado o livro de
Adam Bellow Em louvor do nepotismo: uma história natural (Editora Girafa) que trata do tema numa
perspectiva histórica. Baseado na biologia, antropologia, história e nas teorias políticas e sociais, analisa a
história do nepotismo desde a sua origem e o seu uso nas tribos, nos clãs e nos reinos antigos até as
sociedades modernas.

A meu juízo, há pelo menos duas referências importantes para se compreender o nepotismo no
Brasil: os livros Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936 e os donos do poder de
Raymundo Faoro, publicado em 1958. Ambos mostram como se constituiu no país uma cultura política
personalista na qual não há uma separação entre o público e o privado e assim o uso privado do que é
público. Esse processo vem desde o início da colonização, herdando práticas do Estado Português e que
ainda permaneceram como um traço marcante da história política do Brasil.

Para Faoro, que analisa a formação do patronato político brasileiro, constitui-se o que ele chama de
um Estado Patrimonialista, no qual um grupo de pessoas comanda o ramo civil e militar da administração e
dessa base, “com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira”.
(FAORO, 2012, p.12). Suas origens estão no Estado Português e as análises (16 capítulos) se estendem do
Brasil colônia, depois Independência, Império e República. Há, em síntese, uma hipertrofia estatal, um
Estado onipotente (e onipresente) e “uma ficção: o povo” (p.202) excluído de todo o processo decisório. O
que existe é o uso privado do Estado, no qual o nepotismo é consequência.

Sérgio Buarque de Holanda entre outros aspectos relevantes de Raízes do Brasil constata a ausência
de verdadeiro espírito democrático no país (que permanece ainda hoje). No capítulo 5, O homem cordial,
mostra como são as relações de sangue e de coração que guiam as suas ações e que a cordialidade faz com
que os indivíduos coloquem as relações pessoais à frente das impessoais e nesse sentido, o nepotismo é
também resultado dessas relações.

Assim, considerando que a democracia e a República têm como uma de suas premissas a isonomia
entre os cidadãos, o nepotismo as contraria, daí a afirmativa de que na ausência desse princípio, desde o
início da colonização e depois da formação do Estado no Brasil “a democracia no Brasil sempre foi um
lamentável mal-entendido (…). Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde
fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o
alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos
como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram
exaltados nos livros e discursos” (Raízes do Brasil, Companhia das Letras, edição comemorativa dos 70
anos, 2006, p. 176).

Para ele, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades
particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação
impessoal, presentes desde os primórdios da colonização brasileira e que continuam ainda presentes na
atualidade.

Dessa maneira, o nepotismo, parte integrante da sociedade brasileira desde o início da colonização,
ainda está presente na gestão pública, no qual uma minoria monopoliza o poder e utiliza-se do Estado em
benefício próprio. No caso da Administração Pública, esse proceder depõe contra a democracia e os ideais
republicanos violando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, como
estabelece a Constituição Federal de 1988.

Homero Costa Homero Costa, cientista político e professor da UFRN