Geraldo Maia do Nascimento – Sertão, velho Sertão nordestino – Final

Como Joaquim Ramalho tinha lido Allan Kardec, acreditou que estava sendo possuído pelo espírito do velho vigário. Pouco depois, segundo o beato, o espírito de outro sacerdote passaria a encarnar nele – Padre Manuel Fernandes – que tinha sido vigário em Macau/RN. E assim foi se formando um arraial na serra. A medida que o arraial crescia, tudo se desorganizava nos arredores. As pessoas abandonavam o trabalho para seguir o beato, ao mesmo tempo em que aumentava a devassidão. Um mestiço, de nome Sabino José de Oliveira, de acólito de Joaquim Ramalho subiu de categoria, quando recebeu o espírito de um padre italiano.

Nessa altura dos acontecimentos, “a moral desceu a quota zero”, nas palavras de Câmara Cascudo. Começaram, então, a surgir reclamações. O coronel Luís Pereira Tito Jácome denunciou o movimento ao governador do estado, desembargador Joaquim Ferreira Chaves que, recebendo várias queixas, nomeou o tenente do Batalhão de Segurança, Francisco Justino de Oliveira Cascudo (pai do historiador Câmara Cascudo), para acabar com a festa. Os dois místicos foram presos, sem haver nenhuma reação. Joaquim Ramalho disse apenas: “- Deus foi preso, quanto mais eu…”. Quanto a Sabino, o caso foi diferente. Caiu no chão como se tivesse sendo possuído por um espírito. O tenente, inteligente, percebendo a farsa, bateu nele com a ponta da espada. Sabino se ergueu rapidamente dizendo: “- Pronto seu tenente, o espírito já saiu. Voou na ponta da espada”. Joaquim e Sabino foram presos e levados para a cadeia de Triunfo, desmoralizados perante seus adeptos, por causa das declarações que eles prestaram à polícia. O processo policial, contudo, não deu em nada. Os dois beatos foram colocados em liberdade. Joaquim Ramalho, ao sair da prisão, voltou a trabalhar na agricultura. Morreu no seu sítio “Malhada Redonda”, com idade avançada, picado por uma cascavel. Nunca mais recebeu “espírito”. O outro não se sabe como terminou. Uma coisa é certa: ficou totalmente curado.

Mas nem sempre o sertanejo era pacato. Diante das agruras da vida, muitos recorriam as armas. A miséria, a fome, o desemprego, a injustiça social, a inflação e a total decadência do Nordeste levaram o homem do campo a protestar contra a exploração e contra o poder abusivo dos grandes latifundiários (os coronéis). Como resultado desse protesto, tivemos a formação de bandos que deram origem ao cangaço, uma praga que assolou os sertões nordestinos da segunda metade do século XIX até metade do século XX.

No Rio Grande do Norte sobressaiu-se o bando de Jesuíno Brilhante. Em outros estados, destacaram-se os bandos de Inocêncio Vermelho, João Calango, Antônio Silvino e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Jesuíno Brilhante, segundo Câmara Cascudo, foi o cangaceiro gentil-homem, o bandido romântico, espécie matuta de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas. Era um homem baixo, espadaúdo, ruivo, de olhos azuis, meio fanhoso, ficava tartamudo quando zangado. Homem claro, desempenado, cavaleiro maravilhoso, atirador incomparável de pistola e clavinote, jogava bem a faca, e sua força física garantia-lhe sucesso na hora do corpo-a-corpo. Era ainda bom nadador, vaqueiro afamado, derrubador e laçador de gado. Sua pontaria infalível causava assombro, principalmente porque Jesuíno, ambidestro, atirava com qualquer das mãos.

Envolvido com uma questão de família, Jesuíno matou o negro Honorato Limão, no dia 25 de dezembro de 1871. Foi sua primeira vítima. Para livrar-se da cadeia, proteger-se e defender-se formou um bando. Segundo Cascudo ficaram famosos os assaltos à cadeia de Pombal/PE para liberta seu irmão Lucas, em 1874 e, no ano de 1876, a cidade de Martins/RN. Cercado pela polícia local, Jesuíno e seus dez companheiros abriram passagem através de casas, rompendo as paredes, cantando a cantiga “Corujinha”.

A imaginação popular acrescentou à biografia do cangaceiro centenas de batalhas, das quais Jesuíno Brilhante teria participado sem que tivesse levado um só tiro. Em dezembro de 1879, na região das Águas do Riacho dos Porcos, Brejo do Cruz/PB, Jesuíno foi atingido no braço e no peito, sendo levado, agonizante, por seus amigos. Morreu no lugar chamado Palha, onde foi sepultado.

Antônio Silvino também esteve aqui, no sertão potiguar, mas não causou grandes danos. O mesmo não podemos dizer de Lampião, que em 1927 adentrou os sertões potiguares matando, roubando, queimando e fazendo reféns, a caminho de Mossoró, cidade que pretendia atacar. E realmente o fez, sendo, no entanto, rechaçado pelo povo de Mossoró, que de armas em punho defendeu sua cidade do tenebroso bando.

Em largas pinceladas, é essa a história do sertão potiguar. Sertão que na maioria das vezes é de sofrimento, de lutas inglórias, de fome e de sede. Mas que. Ao cair das chuvas, pode transformar-se, como num passe de mágica, em sertão de fartura, de rios correntes, de bonança.

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