Francinaldo Rafael – A dualidade humana

A escritora carioca Sylvia Orthof  Gostkorzewicz lançou em 1985 a obra  “Uxa, ora Fada, ora Bruxa”, para o público infantil.  Vejamos algumas passagens:

Em determinado dia, Uxa  segue para encontrar o príncipe, perder o sapatinho e dizer sim. É uma fada notável, atenciosa, envolvente. Tal qual as outras fadas, veste-se de rosa, tiara com estrela na cabeça, varinha de condão.  Está muito feliz. Começa a subir a escadaria do castelo, mas de repente senta e começa a pensar: “Será que eu quero mesmo deixar cair meu sapatinho de cristal?” Quando o príncipe aparece, Uxa corre para longe com medo da transformação em  princesa e ter que ser feliz para sempre. Vira bruxa de repente, com todas as características peculiares: vestido azul, chapéu com lua, vassoura. Fica feliz em fazer brincadeiras desagradáveis com outras pessoas, comporta-se maldosamente. Termina vencida pelo amor, apaixonada por um computador. Silvia Orthof conclui a estória mostrando Uxa uma fada-bruxa, as vezes antiga, outras vezes moderna.

Carregamos em nós humanos essa dualidade. Somos dicotômicos. Somos capazes de lutar, de realizar coisas ditas impossíveis. Temos impulsos de esquecermos nós mesmos para ajudar  na necessidade alheia. Mas por outro lado, em algumas vezes não nos abalamos em caluniar, mentir, gerar conflitos. Temos o lado fada e o lado bruxa. Esse último muitas vezes aflora inesperadamente e nos surpreende de forma assustadora, nos fazendo pensar: como pude ter agido assim?

Para lidar com essa dualidade visando progresso evolutivo, o “conhece-te a ti mesmo” é o meio eficaz para a criatura humana se melhorar nesta vida e de resistir ao arrastamento para o mal, asseveram os Espíritos Superiores. A forma prática para conseguir tal intento é recomendada pelo Espírito Santo Agostinho: “Fazei o que eu fazia quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava em revista o que havia feito e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma”.

Nessa viagem interior proposta por Santo Agostinho é possível que identifiquemos nossa porção fada e nossa porção bruxa. Não eliminaremos essa última, mas ficaremos atentos ao nosso comportamento. Saberemos o que nos tira o equilíbrio e passaremos a atentar mais para tal zona de conflito.

Jesus, conhecedor da nossa intimidade, afirmou: “Vós sois deuses. Podeis fazer tudo o que eu faço e muito mais”, num gesto de motivação e esperança. Resta-nos avaliar a quem serve nossa dualidade: a fada ou a bruxa? Desse modo, empreenderemos esforços para nos libertarmos do homem velho e fazer surgir o homem novo.