Curandeiros – Geraldo Maia do Nascimento

São pessoas que dizem ou julgam poder curar outros. Também chamados de benzedor ou ervanários, já que os seus medicamentos são sempre a base de ervas, com chãs e unguentos. No sertão nordestino, pelo isolamento que vivia no passado e pela falta de estrutura, principalmente de assistência médica, o curandeiro era uma figura presente e estimada por todos, não raro sendo tomado como padrinho de crianças. A eles era atribuído poderes místicos.

Ninguém duvidava dos seus atributos. O poder de curar era, sem dúvida, uma extraordinária demonstração do domínio da vontade sobre certos fenômenos e atos da vida natural. Por isso o curandeiro era respeitado e temido por todos. Suas curas se davam por meio de rezas fortes. Segundo a tradição, o bom curandeiro era capaz de salvar vidas de criaturas, quase à beira da cova, se conseguisse chegar a tempo de “tomar o sangue de palavra”. Tomar “sangue de palavra” é um benzimento com palavras cabalísticas tomadas a religião, como nos explica Rodrigues de Carvalho. Nem todo curandeiro pode tomar sangue de palavras. Só aqueles chamados de “useiros”, que têm naturalmente dons magnéticos, influenciadores da cura.

Há diversos casos de cura que foram passados de boca a boca, ao longo dos anos, mostrando o poder desses curandeiros. Existem relatos de pessoas que viram muitas vezes o curandeiro chegar de dedo levantado em figa, e seu aceno poderoso estancava o sangue que corria do corpo, quando todos os recursos humanos já eram esgota e a esperança de salvação fugia dos olhares, ao aproximar-se o quadro inapelável da hora final. Era admirável ver a credulidade da gente dos sertões ao reconhecer a manifestação desse poder. E, a falta de outra explicação, não tinham senão como aceitar que aquelas práticas só podiam ser exercidas por pessoa tocada por espírito desconhecido, cuja força não pertencia a mortais desse mundo. O sertão ainda é cheio dessas histórias (estórias) e todo mundo pode atestar a existência de fatos dessa natureza.

O escritor Raimundo Nonato, em seu Visões e Abusões Nordestinas (Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – volume I – 1977), nos relata alguns casos, como o que foi narrado pelo Coronel Jacinto Tavares, antigo comandante do Batalhão da Polícia Militar do Rio Grande do Norte e delegado por muitos anos em longínquos municípios do sertão, no tempo em que a tropa andava a pé e que o oficial que a comandava dava-se por feliz quando encontrava um burro chotão para montaria, em longas caminhadas que iam de Natal a Caicó ou São Miguel de Pau dos Ferros.

Contava o militar que por uma de suas andanças, dando combate a criminosos e catando cangaceiros, viu pela manhã, nas ruas da Vila de Patu, um homem que se esvaía em sangue, depois de um tiro que recebera de tocaia, num corredor de cerca. Um dos balaços tinha atravessado a vítima de um lado para outro. Os que o acudiram, fizeram de tudo para estancar o sangue, sem nenhum resultado positivo. Só por acaso um dos presentes descobriu que passava por ali o tropeiro Juvêncio Barruscada, que era curador. Chamado para prestar o socorro, lá de longe mesmo, Juvêncio estendeu o braço na direção do homem baleado, fez um sinal da cruz três vezes, pegando com a outra mão num rosário que trazia pendurado no pescoço e que caía por debaixo da camisa de algodãozinho. Antes os olhares admirados dos matutos e dos soldados do comandante Jacinto Tavares, o sangue do cabra foi ficando escuro, engrossando, parando de correr. E daí a pouco, quando os outros se viraram para a estrada, já o curandeiro ia avançando, ao passo largo do burro, sem dar mais caso do acontecido.

Outro caso narrado por Raimundo Nonato, foi que durante os dias de seca de 1919, residia em Mossoró o maleiro Luís Torquato, um homem amarelado, que conversava com os espíritos e segundo se dizia nas ruas da cidade, tinha arrancado uma botija em terreno próximo à cadeia pública, prédio que hoje ocupa o Museu Municipal Lauro da Escóssia. O fato podia ser atestado pelo grande buraco que ficara aberto no chão, e ali o povo ia ver o canto onde a panela estivera enterrada, cheia de moedas de ouro, que ele fora trocar no Ceará.

Das suas conversas com os irmãos do além, o maleiro tinha conseguido a chave de certos segredos e de que se utilizava para curar pessoas nervosas, tirar feitiços e praticar outras artes. Diziam até que ele tinha feito um pacto com o diabo e, como não tinha comprido o que havia prometido ao tinhoso, esse passava noites inteiras metido nas máquinas da Prensa de Manuel Faustino do Monte, empresário local, esperando que o maleiro passasse de madrugada para tomar banho na barragem. O maleiro, que não era besta, desconfiando de alguma coisa, nunca mais passou naquele ponto, e continuou curando de tal modo, que diziam que rezando em Mossoró parava sangue de um salineiro ferido em Areia Branca.

Muitos outros casos semelhantes são narrados ainda hoje pela gente do sertão, que juram serem verdadeiras as suas histórias, as vezes usando frases de reforço como “vi com esses olhos que a terá há de comer”. Luís da Câmara Cascudo registrou vários casos de curas milagrosas pelo sertão afora. E mesmo com a presença de médicos e enfermeiros que atualmente atendem por todo o sertão, os trabalhos do curandeiro ainda são requisitados, quando a medicina não consegue aliviar o mau.

Geraldo Maia do Nascimento.

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