Clauder Arcanjo: Pílulas para o Silêncio (Parte CXLIV)

Clauder

Colóquio silente com Regine Limaverde

O pensamento é o ladrão da felicidade.
E ele me vem, Regine, nas noites em que a calma me exaspera, põe mesa e conversaria; e sei que nada de bom nos espera. O pensamento, de repente, rouba-me a roupa, a fala e a poesia; e eu, só então, me entrego à madrugada como um escravo numa sesmaria.

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Sinto pena de tudo,
do que não vi, do que não senti.
Neste setembro, sinto pena até do que não há de vir. Do pensamento perdido, do sonho despedaçado, da amante que não ficou de me seguir. Neste setembro, acredite, sinto até pena de mim.

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Quero que me escutes
e sonhes. Sonhes alto,
sonhes grande. Sonhes nas nuvens.
Só conseguirás falar comigo, poetisa, se calares o teu verso, se vestires a tua palavra de perverso e veral alumbramento, e se plantares tuas estrofes no reverso dos céus de antigamente. Moro nas nuvens, só e plenamente.

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Porteiras se fechando, o sol caindo,
lágrimas cegando meus olhos,
gosto de sal na boca, temperando lembranças
e a vontade de recomeçar caminhos.
As porteiras de Licânia ficaram lá distantes, o sol descamba sempre às minhas costas, lágrimas caem sobre mim em desalinho, Regine. Apenas, o sal temperou o acre sabor de outrora, instante em que a minha vontade foi a única bússola do meu descaminho.

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Não há luz nos meus olhos.
Carrego a solidão.
Não há ocas esperanças, Limaverde, no meu olhar. Paro, escuto e, Arcanjo, sopeso a leve imensidão.

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A inveja é pior que bala no coração.
Da gula, fiquei com a fome. Da luxúria, com meus versos ouropéis. Da avareza, com o vazio do sonho limpo. Da ira, com a paz de um vago e perdido olhar. Da soberba, com o teu nobre desalinho. Da preguiça, com a imensidão do suposto vazio. Da inveja, ouço clamar aos Céus, a bala que há de, teu coração, trespassar.

Clauder Arcanjo
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