Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXLIII)

O setembro traz um vento que vem de longe. E essa ventania o silêncio me anuncia. Quem sabe o vazio de outras eras, em que a paz dos homens mais se nos havia.
O setembro me cheira a flores secas, guardadas num vaso sobre a escrivaninha, de uma antiga invernia. Quem sabe de um amor que murchou, mas que lá, num distante inverno, podia bradar que existia.

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Na esquina da minha cidade, há um casal a avançar em passadas largas, sem se darem as mãos em harmonia. Ouço as pisadas lúgubres e sinto nelas o peso da desastrada rotina. Rotina que, cantante, enterra os ossos dos amantes, sem estes se darem conta da fatal litania.

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Nada de pássaros nesta manhã ordinária. Nada de risos neste dia de sexta. Nada de surpresas no mundo da política; os mestres desta fazem a feira no erário, locupletam-se enquanto riem da nossa besteira: a fé e a crença no bem comum.

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Os jornais de ontem, de hoje e de amanhã trazem a contínua manchete: jovens assassinados na esquina das drogas, digladiando-se entre si e em conluio com o oficial armamento. Quero rezar uma prece pelas mães que os gestaram; no entanto, confesso, devo ser parte deste vil momento. Se não por ação, ao menos por omissão no pensamento.

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No campo da saudade, uma lágrima pungente me relembra de que já foram grandes os meus sonhos, nobres os meus intentos.
Abro a janela e vejo um Rembrandt na parede da sala, cópia da arte do pintor holandês. Sua paisagem me completa com uma melancolia que, de comum, havia nas terras de além-mar, nos tempos de um assaz antigamente.
O setembro traz um vento que vem de longe, de muito longe.

Clauder

Clauder Arcanjo
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