Clauder Arcanjo: Mulheres Fantásticas XV

 

A Mulher Adversativa

Clauder Arcanjo

Penso, depois deste mês de calor dos infernos, em nos esquecermos de tudo, Maria, e viajar, viajar…

Ela pôs os olhos no bordado da saia, passou as mãos tímidas sobre os detalhes do rendilhado, soprou um fastio da boca pequena, e lhe respondeu:

Concordo, mas…

E mais não disse; apenas, tangeu a vista para a janela e catou novidades no horizonte distante.

Eu sei, meu coração! Eu bem compreendo o que a preocupa. As crianças, o colégio, o seu jardim florido… Não estou certo?

Ela fungou uma tristeza miúda, e ficou quieta. Tão somente baixou a vista, mexendo, de leve, as sobrancelhas finas.

Ando a pensar, também, em outra coisa. Acredite. Em sairmos esta noite para jantar. Uma mesa no fundo do ambiente, um violão a dedilhar velhas canções; sem falar no vinho que você gosta. E, se o tempo nos levar, esticar pela madrugada. Como não fazemos há tempo.

Um pássaro trinou na copa da árvore na frente da casa, levando Maria a se dar conta da nova proposta.

Seu danado! Como seria bom, porém…

Gilberto quase não se conteve com aquela resposta. Respirou longamente, cofiou o bigode ralo, a sentir fumos de zanga nas mãos. Deu alguns passos pela sala, fingiu interesse num livro guardado sobre a mesinha do canto. Folheou-o, sem ler.

Voltou para mais perto de Maria, e abraçou-a. Estranhou os seus ombros frios e o corpo lasso.

Está certo, querida! Estou pensando mais em mim do que em você. Já sei, vamos ao cinema! Lá, está em cartaz uma história de amor com final feliz. Daquelas que você sempre me pede para assistir. Uma sessão a beijos e pipocas. Hein?!

Uma espécie de fugaz surpresa correu sobre os seus olhos úmidos. Como um relâmpago, assomo de encanto. Ela levantou-se e foi em direção à mesa, dispondo o bordado junto ao jarro com flores. Sem voltar-se, ponderou:

Interessante, entretanto…

***

Você sempre me dobra, Gilberto!

Rindo baixinho, Maria se aquietou sobre o ombro de Gilberto. Minutos depois, ela entregou-se a um sono profundo.

Ele, com jeito, levantou-se, ajeitando-a embaixo dos lençóis. Alisou o bigodinho e, sem esforço, viajou para as aulas de português de Dona Zélia, em Licânia. “Repitam comigo, meninos. Repetir é gravar: mas, porém, contudo, entretanto, todavia… Aprendam as adversativas. Dominem a nossa língua. Dominar a língua é dominar o mundo.”

Longe, o barulho do escape do único ônibus da cidade, saindo para a capital. Com pouco, as gaitadas do casal vizinho voltando para casa, após mais uma noitada.

Ligou a tevê do quarto, sessão coruja. Na tela, “E o vento levou…”. Quis acordar Maria, contudo…

Clauder Arcanjo

Clauder

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