Clauder Arcanjo – João Helder, o melhor de nós

Lá em casa, somos cinco: Dedé (única irmã) e quatro marmanjos: Baía, eu, Tito e ele.

Quem é ele?!… O nosso irmão caçula, caro leitor.

De batismo e de cartório, João Helder Alves Arcanjo. Quando criança, o querido Cambão. Jovem, apropriou-se da alcunha de Dr. Stygma. Para dela nunca mais se afastar.

Por que Dr. Stygma?! Pela criatividade incomum, pelas diversas habilidades no trato da criação e das relações humanas, pela leveza em decifrar os mistérios das invenções tecnológicas que aportavam nas ribeiras da província.

Ontem, vésperas do seu natalício, ele me ligou: “Não se esqueça do meu aniversário amanhã, meu irmão.” Sempre me soube presa fácil do mal dos esquecidos. “Dos avoados!”; como falavam em nossa terra natal. Com pouco, um riso largo e bonachão intromete-se entre as suas palavras. Stygma acerta a sua flecha de felicidade no peito de qualquer paciente vítima da tristeza.

Hoje, 11 de agosto de 2016, logo cedo, liguei para ele, felicitando-o: “Parabéns, meu irmão. Paz e saúde; você merece.”

“Não vá se esquecer do meu presente!”; advertiu-me, com traços de mofa, zombaria e de fina ironia.

“Presente?”

“Sim, meu irmão! Quero que você escreva uma crônica daquelas suas, a fim de eu me eternizar na literatura. Não que eu queira morrer tão cedo! Que fique bem claro, ouviu?”

E uma onda de gaitadas dadivosas invadiu o nosso colóquio.

“Mereço ou não mereço?”; inquiriu-me, antes de que eu me recobrasse do susto de tão inusitado pedido.

***

Aqui estou, sentado à frente do computador, a me lembrar de sua história. E, claro, tentando honrar lhe com esta crônica-regalo.

Nossos pais, Maria Djanira e Zequinha, eram metódicos no planejamento familiar. Entre um filho e outro, um intervalo de três primaveras. Primeiro surge Maria José (Dedé); três anos depois, José Maria (Baía); outros três, eu (Antonio Clauder); mais três, outro menino: Francisco Sávio (Tito). Uma escadinha regular. Para nossa sorte, o pacto da regularidade se rompe, e Maria concebe o seu benjamim, João Helder (que deu o ar de seu verbo-graça pouco mais de um ano depois do parto anterior).

Digo para nossa sorte, porque João Helder é o melhor de nós. E com vários corpos e espírito de vantagem. Criança, nunca ligou quando mamãe colocava o cós do seu calção lá na altura dos peitos. Nós é que resmungávamos, e cuidávamos de, a sorrelfa, ajustá-lo no ponto que nós, pretensos designersde moda infantil, julgávamos elegante. Quando ficava sozinho, o pequeno João não dava trabalho a ninguém, bastava uma rede baixa e o rádio ligado para ele ficar a se balançar, cantarolando as canções da época: “As flores do jardim da nossa casa morreram todas de saudade de você…”.

Na escola, nenhuma pretensão de ser o mais brilhante. Com zelo e habilidade adequados, ia passando de ano, por média; sem medalhas, mas sem decepções. Ao se aproximar do vestibular, o caçula de uma família, em que o estudo era regra, deparou-se já com três irmãos acadêmicos de medicina e eu, de engenharia. Ele, lastreado num primado da lógica stygmatiana, convence-nos a todos de que passaria no vestibular, para medicina, logo de primeira. Argumentava: “Vejamos: Dedé passou de primeira; Baía, de segunda; Totonho, de primeira; Tito, de segunda… Logo, na sequência lógica, eu passarei no vestibular de primeira.” E quando lemos o seu nome no jornal: aprovado, ele, em meio às saudações efusivas, insistia: “Eu não disse?! Eu não disse?!”

Hoje, oftalmologista de escol, João Helder agrega o zelo profissional ao gosto pelo lazer e pela boa diversão. Se há uma boa festa, ele comparece. Se, no dia seguinte, há a necessidade de uma rotina de cirurgias extenuantes, ele cumpre com as suas obrigações com uma dedicação e um respeito aos pacientes de forma incomum; e, cada vez mais raros nos dias de hoje.

Sempre o vejo cantarolando, rindo, perguntando por nós, dividindo conosco suas conquistas e suas alegrias e, suspeito, escondendo longe seus momentos de melancolia. Nos lábios, uma palavra amiga; no peito, o carinho e a beleza de ser gente boa e do bem.

Amo Dedé, Baía e Tito; a eles, tenho verdadeira adoração e uma afeição indescritível. No entanto, eles também concordam, o nosso caçula, Dr. Stygma, é, sem dúvida alguma, o melhor de nós.

Vida longa, meu querido irmão! A família de Maria Djanira e Zequinha lhe agradece.

Deste seu irmão e fã incondicional.

P.S.: A crônica-regalo não ficou à sua altura, bem sei, porém nunca o verbo consegue eternizar a beleza de uma personalidade tão rara e sublime quanto a sua, meu dileto irmão. No próximo ano, com certeza, entre uma risada e outra, você há de me pedir outra. Que Deus o (e me) abençoe.