Clauder Arcanjo – Corda

Por fim, se tens pudor, confessa logo os erros:

            contar as dores alivia o Amor.

(Elegias, de Sexto Propércio)

Entrou e parou, cabisbaixo. Mal passou pela soleira de entrada, a cabeça foi tomada por uma voz distante, ecos de muito longe. A filha, aos prantos:

— Veja, pai! Veja! Ô meu pai!…

Quis dar meia-volta e sair, mas algo o prendia àquela velha casa. Os mosaicos, marcados por desenhos sinuosos, na cor azul e branca, a mostrarem-lhe o caminho?

Estancou frente à porta do quarto de casal. O cheiro do passado, o arrepio da memória. Empurrou-a, e o rangido da ferragem quebrou o silêncio do fim da tarde.

***

Entrou e parou. Levantou a cabeça e deu pela corda. Evidência de tudo; lá estava ela, no centro do quarto, ainda presa ao travejamento da cumeeira.

A voz mais próxima, como se seguisse seu caminhar.

— Veja, pai! Veja!

Subiu na cama, pôs a mão na laçada e espiou as nuvens. Lá fora, a cor azul e branca de um novo céu, coado pela vidraça invadida pela poeira do tempo.

— Ô meu pai!…

A casa, então, mergulhou no silêncio profundo da longa e definitiva noite.

Clauder Arcanjo

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