Clauder Arcanjo – Conselhos de Acácio

Segunda-feira, quase fim de maio. O céu azul, quase enamorado com o cinza, com poucas nuvens no horizonte.

Resolvo sair de casa para espantar o fastio da vida. Mal dobro a primeira esquina, no Centro, a presença do Companheiro Acácio assalta os meus olhos.

Depois da saudação de praxe, arrasto-o para um café. Casmurro como sempre, ele a soletrar insatisfações contra o estado geral da nação.

Com o objetivo de não ser tragado pelo pessimismo que, às vezes, assomava o corpo, a mente e o juízo do cinquentão amigo, resolvo fazer uso de uma nova estratégia. Explico-a, caro leitor.

A cada novo avanço de Acácio no campo pantanoso por ele escolhido, eu o interpelaria acerca de uma saída, de uma proposta qualquer; enfim, de um mero conselho para este mísero cidadão que o escutaria atento.

— No campo da geopolítica mundial, amigo, saímos da condição de protagonistas para a nefanda situação de coadjuvantes. Não a de um coadjuvante qualquer, mas, sim, daqueles que macaqueiam e seguem um furibundo. E, algumas vezes, sinceramente não sei o que é pior, batendo lata para outra nação que nada tem a nos oferecer: a não ser um caminhão de miséria e de maus exemplos. Dize-me quem tu segues, que eu te direi quem tu serás! — professou, com fumos de diplomacia, o mestre Acácio.

Neste instante, o café, com pouco movimento, fez-se palco para seu discurso inflamado.

Tomo um gole do café, que me esperava sobre o balcão, e, como quem não quer nada, indago-lhe:

— E o que você propõe, Companheiro?

Ele não se fez de rogado, emendando, não sem antes cofiar o bigodinho bem aparado:

— Se queremos ser uma nação forte, amigo, haveremos de nos congregar aos fortes.

Um bêbado entra, estende-lhe a mão direita, interrompendo o seu tropel de argumentações:

— Uma esmola pelo amor de Deus.

Acácio saca uma moeda, dispondo-a sobre a mão estendida do pedinte.

— Pelo amor de Deus e pela lucidez de nossa gente! — dispara.

Quando o mendicante se retira, Companheiro Acácio volta a inflamar-se:

— No campo da ética e da moral, estamos mais para chiqueiro do que para comunidade. A roubalheira galopa, enquanto o bom exemplo anda a pé.

— E o que você propõe, Companheiro?

Sem nem me deixar fechar o tom da interrogação, Acácio assevera-me:

— Para começo de história: não aplaudir a sem-vergonhice, não montar tribuna para a safadeza, não dar passagem para a imoralidade nos campos em que laboramos. A messe é grande, e os eleitos são poucos.

O comerciário finge compromisso na parte de trás do pequeno estabelecimento, deixando-nos a sós.

Pouco depois, adentra um vereador. Suado, de paletó de grife, sobraçado com uma pilha de documentos.

— A democracia me dá muito trabalho. Dou o meu suor pelo povo.

Nisto um assecla do edil interrompe-o com um “bravo!” e uma tímida salva de palmas.

Companheiro Acácio abaixa o rosto, crispando a face, como se alvo de motejo; sinto-o corar-se, invadido por desalento e fúria.

— E, agora, o que você me propõe? — indaga-me.

— Calma, Companheiro Acácio! Vamos ver o sol? — admoestei.

Pago a conta, saímos a flanar pelas ruas. No céu, uma andorinha circunvaga sobre os nossos passos. Num céu azulado, sem nuvens, mas já deveras invadido pelo tom cinza.

— O que esta andorinha nos proporia?

Clauder Arcanjo – [email protected]