Clauder Arcanjo – Acácio e a última eleição

Domingo, 2 de outubro último, segui para Santana do Acaraú, no Ceará, minha cidade natal, a fim de participar, como eleitor, das eleições para prefeito e vereador.

Como moro em chão potiguar, confesso que fiquei abismado com o número de homens e mulheres com pretensão a representarem o nosso povo na Câmara Municipal. Força ou sinal de fraqueza de nossa democracia?!…

A cada esquina que eu dobrava, um santinho me esperava. Sem falar nos argumentos, dos simples aos mais esdrúxulos, para justificarem o tal pedido pelo voto: “Sou muito amigo do seu pai!”, “Fiz ginasial com a sua irmã mais velha, lembra?”, “Represento a comunidade rural, sou homem da terra!”, “Ruim por ruim, vote em mim!”, “Me dê uma força. Na última eleição, bati na trave!”, “Sempre fui leal ao nosso líder!”, “Por Deus, pela pátria e pela família!”, “Ajude-me que eu lhe ajudarei!”, “Promessa por promessa… vote em mim sem pressa”, “O povo precisa de mim!”…

Com os bolsos cheios de santinhos, e com a cabeça carregada de promessas ocas, resolvi dar meia-volta e retornar para a residência dos meus velhos. Lá, pensei, ficaria livre do assédio dos políticos e de seu exército de “cabos eleitorais”.

Qual o quê!… Mal abri o portão, um candidato, com traje mais florido do que cajueiro em florada, partiu para cima de mim com um abraço fedido a cachaça, e com as axilas recendendo a suor de semanas sem banho.

— Filho do Seu Zequinha, não é?

— Sim — respondi, seguido de um sorriso protocolar.

— Com certeza, é o Zé Maria!

— Não, compadre. Este é o Antonio Clauder; o único daqui de casa que não abraçou a medicina. É engenheiro, trabalha no Rio e, hoje, ele mora em Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Era o nosso patriarca, querido Zequinha Arcanjo, sempre a me salvar de enrascadas.

— Mas tudo, compadre, do mesmo sangue. Filho deste casal maravilhoso não se perde um. Por isso, compadre Zequinha, eu digo para o meu filho, o seu afilhado: siga o exemplo dos meninos do seu padrinho. Lá, tudo é gente do bem. Gente federal! Ôps!… Minhas desculpas, meu compadre. Minhas desculpas, ouviu?

Não entendi aquele pedido tão exagerado de desculpas. Até porque papai sempre foi um homem que não guardava mágoa de ninguém.

Quando entrei, a nossa secretária estava com os brios em fúria.

— Vem na sua casa, bebe do nosso café, e, no final, sai com “este nome”… É um traíra. Um traíra!… Falso! Ele nunca me enganou. Nunquinha, Dona Maria e Seu Zequinha!

Foi aí que eu tomei ciência de que o candidato da outra agremiação usava, como mote de campanha, a expressão: “É federal!”

Quis esboçar uma risada, porém não havia clima para tal. A campanha banira o bom humor de todos.

Tomei um banho e pus uma camiseta nova. Era de cor esverdeada. Senti olhares de desaprovação.

— Tá muito moderno este modelo; não é, minha gente? — indaguei.

Silêncio.

— Não trouxe nada de outra cor? Algo assim, róseo…

Sobre a mesa, um cartaz da candidata do “nosso lado”. A cor rósea predominava.

Subi para o meu quarto e voltei de branco.

Almocei ouvindo a prédica das cores e dos chavões. Bem como uma relação de termos a evitar.

Dormi a minha siesta; e, ao fim da tarde, saí para visitar alguns conhecidos. Na cabeça, esboços de projetos culturais para Licânia.

Quem disse que eu consegui conversar sobre cultura? Todo mundo ou falava em “Jacaré” ou endeusava a “Loura”.

No entardecer, sob o badalar do sino da Matriz, fui pedir a bênção à Senhora Sant’Anna. Até na igreja, percebi, os bancos continham uma discreta separação partidária. Resolvi rezar de pé. De olhos fechados, contrito.

De repente, alguém me saúda, em voz mansa:

— Pensei que este ano você não viria.

— Companheiro Acácio, você por aqui?!

— Sim. E em campanha! Peço o seu voto para vereador. Meu número é … Como lema: “Para banir os larápios, vote em Acácio.”

***

Contabilizados os votos, entrei no boletim oficial, a fim de verificar o resultado. Deu Jacaré para prefeito.

Quando corri os olhos na relação dos edis sufragados, não dei com o nome do Companheiro Acácio.

Resolvi, então, ligar para ele.

— Quantos eleitores apostaram na sua proposta, Companheiro?

Do outro lado da linha, um ser afônico:

— Fui traído.

— Calma, Companheiro! A democracia tem os seus mistérios.

Antes que completasse a minha argumentação, um palavrão federal atravessou os meus tímpanos. Estou, até hoje, com as orelhas róseas.

P.S.: Sim, uma última notícia. Há dois dias, fui informado de que Companheiro Acácio já está nas ruas, refeito e prenhe de novas promessas. Como lema, a máxima: “Acácio, o ETeimoso!”.