Clauder Arcanjo – A sétima esquina

O que me disse? O mais grave

Foi o que escusou dizer!

Estendia a última frase

Como acaba o entardecer

(Bruno Tolentino, no poema “A teia”)

Na primeira esquina, um vagido e um sinal de luz na testa do horizonte. Como se o oco do nada se mostrasse sobre o calcinado das pedras, como se a semente de um broto se demonstrasse na pupila cega do acaso, ave de rapina. Paz e roncar das primícias do nascimento.

Na segunda esquina, algumas criaturas disputavam a liquidez da espera; de quando em vez, cristalizados pela sorte ou por alguém desconhecido, o batizado de outra cria. Miniaturizada, como tudo que surge para a busca do infinito e do eterno. As águas se fizeram fonte de vida e morte. Os bancos de areia ainda não havia, nem as canoas, com seus remos, âncoras e suas memórias álgidas e túrgidas. Apenas… o além.

Na terceira esquina, num ritmo alucinante, catapultando séculos sobre séculos, o medo e a proteção torna a lida abrigada entre muros. Dentro deles, uma legião de fanáticos a mastigarem a carne de outros bichos, enquanto o olho, punhal mais proscrito, relembra as dentadas no coração dos próximos. Tão só… abrigados.

Na quarta esquina, o império das lutas e do sangue. Dor e sofrimento, a lei do mais forte rasga a terra e sulca os primeiros cultivos dos degredados. Para estes, a fuga e a cristal lâmina da sobrevivência, punhal do instante presente. Com seus sortilégios e fantasmas, parem, para uso próprio, os mitos, ritos e as crenças. Obram deuses. Sob um sol, ouropel inclemente; por usurários e feras, lobrigados.

Na quinta esquina, o prematuro parto do espanto. A dúvida se a ferra é para alguns ou se coisa de escolhidos. Decifrar ou matar, eis a infame questão. As suspeitas plasmam a revolta, há o sangue vivo da crença por entre um céu fechado de incertezas. Firmadas num Aracati, que os tange do nada para o possível, entregam-se, em total sacrifício, ao bojo do talvez. Engenho e cultivo de esperanças.

Na sexta esquina, as vísceras da terra arrasada. Olhos arregalados e mãos sangradas: nos ossos, a frialdade funesta de quem, na tentativa de fundar algo novo, colhera o espinho no leito do fim. No horizonte, cemitérios e cruzes. Rio silente, portos destruídos, barcaças afundadas, deuses e crenças não manifestados.

Na sétima esquina, no esqueleto imaculado do silêncio, a sobra de um vagido primevo. E o céu a refletir, nas vazantes do Acaraú dessangrado, o batismo do pântano da teimosia pela estrela da manhã. Cristal de vida no oco tardio do crestado sertão de Licânia.

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]